quarta-feira, dezembro 29, 2004




o que será da sereia de água doce que mergulha no mar?
e quando a pedra vira areia?
e quando a tsunami marola e ela perde o espelho?

o que será da sereia?

Zoe
SEREIA DE PAPEL




A história está completa: wide sargasso sea, azul
azul
que não me espante, e canta como uma
sereia de papel.



NADA, ESTA ESPUMA

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.


Ana Cristina Cesar
Aos Teus Pés



sábado, dezembro 25, 2004





L'isola delle sirene



Quando ai suoi ospiti che domandavano,

alla fine del loro giorno, dei

suoi viaggi sul mare e dei pericoli,

tranquillo raccontava, non sapeva



mai come spaventarli e quali forti

parole usare perchè come lui

nell'azzurro pacifico arcipelago

vedessero il dorato colore di quell'isole



la cui vista fa sì che muti volto

il pericolo, e non è più nel rombo,

non nel tumulto come sempre era;

ma senza suono assale i marinai



i quali sanno che là su quell'isole

dorate qualche volta s'ode un canto,

ed alla cieca premono sui remi,

come accerchiati



da quel silenzio che tutto lo spazio

immenso ha in sè e nelle orecchie spira

quasi fosse la faccia opposta del silenzio

il canto cui nessun uomo resiste.



Rainer Maria Rilke

quinta-feira, dezembro 23, 2004


Sereia / Picasso


CANTO A UNA SIRENA



¿Cuál es la lluvia

que debo crear

para tu cielo,

ahora que soy mucho más

que el aguardiente

de tu pelo?

Déjame llover entero

déjame

llover

entero

que las llaves de tu mar

han caído

desde el cielo.



Jorge Montesino

quarta-feira, dezembro 22, 2004


John Waterhouse - Ulisses e as Sereias

O SILÊNCIO DAS SEREIAS
Franz Kafka

Comprovação de que mesmo meios insuficientes, e até infantis, podem conduzir à salvação.

A fim de proteger-se das sereias, Ulisses entupiu os ouvidos de cera e mandou que o acorrentassem com firmeza ao mastro. É claro que, desde sempre, todos os outros viajantes teriam podido fazer o mesmo (a não ser aqueles aos quais as sereias atraíam já desde muito longe), mas o mundo todo sabia que de nada adiantava fazê-lo. O canto das sereias impregnava tudo - que dirá um punhado de cera -, e a paixão dos seduzidos teria arrebentado muito mais do que correntes e mastro. Nisso, porém, Ulisses nem pensava, embora talvez já tivesse ouvido falar a respeito; confiava plenamente no punhado de cera e no feixe de correntes, e, munido de inocente alegria com os meiozinhos de que dispunha, partiu ao encontro das sereias.

As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio. É certo que nunca aconteceu, mas seria talvez concebível que alguém tivesse se salvado de seu canto; de seu silêncio, jamais. O sentimento de tê-las vencido com as próprias forças, a avassaladora arrogância daí resultante, nada neste mundo é capaz de conter.

E, de fato, essas poderosas cantoras não cantaram quando Ulisses chegou, seja porque acreditassem que só o silêncio poderia com tal opositor, seja porque a visão da bem-aventurança no rosto de Ulisses - que não pensava senão em cera e correntes - as tenha feito esquecer todo o canto.

Ulisses, contudo, e por assim dizer, não ouviu-lhes o silêncio; acreditou que estivessem cantando e que somente ele estivesse a salvo de ouvi-las; com um olhar fugaz, observou primeiro as curvas de seus pescoços, o respirar fundo, os olhos cheios de lágrimas, a boca semi-aberta; mas acreditou que tudo aquilo fizesse parte das árias soando inaudíveis ao seu redor. Logo, porém, tudo deslizou por seu olhar perdido na distância; as sereias literalmente desapareceram, e, justo quando estava mais próximo delas, ele já nem mais sabia de sua existência.

Elas, por sua vez, mais belas do que nunca, esticavam-se, giravam o corpo, deixavam os cabelos horripilantes soprar livres ao vento, soltando as garras na rocha; não queriam mais seduzir, mas somente apanhar ainda, pelo máximo de tempo possível, o reflexo dos grandes olhos de Ulisses.

Se as sereias tivessem consciência, teriam sido aniquiladas então; mas permaneceram: Ulisses, no entanto, escapou-lhes.

Dessa história, porém, transmitiu-se ainda um apêndice. Diz-se que Ulisses era tão astuto, uma tal raposa, que nem mesmo a deusa do destino logrou penetrar em seu íntimo; embora isto já não seja compreensível ao intelecto humano, talvez ele tenha de fato percebido que as sereias estavam mudas, tendo então, de certo modo, oferecido a elas e aos deuses toda a simulação acima tão-somente como um escudo.


23 de outubro de 1917
tradução de Modesto Carone

domingo, dezembro 19, 2004



Yara, Fascínio de Sereia


Meu valente apigáua!
Vem habitar comigo a mesma taba
Dormir na mesma tépida quiçáua!
Sou a mãi d'água te farei puranga
Tens nos meus olhos a melhor puçanga

Yara
Acrísio Mota – 1898


Metade mulher, metade monstro - sinônimo de sedução e perigo, de beleza sobrenatural. Da sedução que supera a sexualidade, se concordarmos com Jean Baudrillard.

Lendas que contam tragédias de amor, como o de Loreley do Reno; histórias de mulheres violadas que se voltam contra os que causaram sua dor e humilhação. Espíritos de moças afogadas que após a metamorfose tornam-se impiedosas devoradoras de carne humana.

No Canto XII da Odisséia, a feiticeira Circe avisa Ulisses que as Sereias moram em um prado, junto a um grande monte de ossos de homens em putrefação. Sereias são seres de cemitério, é bom lembrar. Ovídio irá caracterizá-as à imagem de pássaros de plumas avermelhadas com rosto de mulher. Segundo J. L. Borges, a música das sereias é uma arma letal e sua lei é morrer quando alguém não se deixa seduzir pelos seus encantos. Orfeu, o mítico poeta e músico grego, em busca do Velocino de Ouro com os Argonautas, cantou com maior doçura tangendo sua lira e elas, desesperadas, atiraram-se ao mar, transformando-se em rochas.

Franz Kafka no O Silêncio das Sereias diz que elas possuem uma arma maior do que o seu canto - o silêncio. A cera colocada no ouvido, como fizeram os companheiros de Ulisses, seria insuficiente para conter tal poder de sedução. Ulisses não teria ouvido o seu silêncio. Será?

Dizem que a sereia nunca é possuída a não ser que este seja o seu desejo - questão paradoxal depois da leitura de alguns mitos, como veremos adiante. As Rusalki (ou russalkas), sereias russas e eslavas, são terrivelmente vingativas. Se uma irmã é pega, o destino do caçador está traçado: morrerá dilacerado. Sereias são gregárias, amam a sua espécie.

São chamadas de Spunkies na Escócia, de Groachs na Bretanha, de Gwaragedd em Gales, de Ninguyo no Japão, de Zavas na Polônia, de Mouras Encantadas em Portugal, de Mães d'Água na África.

É Dagon e Partênope, Lígia e Leucósia, Teodora e Murgen.

E no Brasil, a sereia se chama Yara. Diz a lenda (1) :

"Yara, a jovem Tupi, era a mais formosa mulher das tribos que habitavam ao longo do rio Amazonas. Por sua doçura, todos os animais e as plantas a amavam. Mantinha-se, entretanto, indiferente aos muitos admiradores da tribo. Numa tarde de verão, mesmo após o Sol se pôr, Yara permanecia no banho, quando foi surpreendida por um grupo de homens estranhos. Sem condições de fugir, a jovem foi agarrada e amordaçada. Acabou por desmaiar, sendo, mesmo assim, violentada e atirada ao rio. O espírito das águas transformou o corpo de Yara num ser duplo. Continuaria humana da cintura para cima, tornando-se peixe no restante. Yara passou a ser uma sereia, cujo canto atrai os homens de maneira irresistível. Ao verem a linda criatura, eles se aproximam dela, que os abraça e os arrasta às profundezas, de onde nunca mais voltarão."

Essa história mostra uma face até então desconhecida da lenda, que sempre apresenta a Yara como um encantado aquático, pouco se falando, no Brasil, sobre uma possível origem humana e de seus sofrimentos. Normalmente, é retratada como uma mulher de cabelos muito longos, sobrenaturalmente verdes ou de um louro dourado, que usa um pente de ouro e carrega os homens para o fundo do rio.

A Sereia violentada comparece também em um poema-fábula de Pablo Neruda:


Fabula de la sirena y los borrachos


TODOS estos señores estaban dentro
cuando ella entró completamente desnuda
ellos habían bebido y comenzaron a escupirla
ella no entendía nada recién salía del río
era una sirena que se había extraviado
los insultos corrían sobre su carne lisa
la inmundicia cubrió sus pechos de oro
ella no sabía llorar por eso no lloraba
no sabía vestirse por eso no se vestía
la tatuaron con cigarrillos y con corchos quemados
y reían hasta caer al suelo de la taberna
ella no hablaba porque no sabía hablar
sus ojos eran color de amor distante
sus brazos construidos de topacios gemelos
sus labios se cortaron en la luz del coral
y de pronto salió por esa puerta
apenas entró al río quedó limpia
relució como una piedra blanca en la lluvia
y sin mirar atrás nadó de nuevo
nadó hacia nunca más hacia morir.

*

Arriscando uma interpretação, me parece que a sereia sempre traz no peito uma dor de amor - não raro é vítima de alguma injustiça. E pelo jeito, nem em terras tupiniquins escapou da tristeza e de uma inegável melancolia, raiz do seu instinto vingativo. A falta de uma contraparte masculina e a sua não-compleitude como mulher fazem parte da sua natureza de modo indistinto, causando devastação por onde quer que encante.

A lenda da Yara é um amálgama de mitos das mais diversas procedências, mitos estes que encontraram um fértil terreno no Brasil, terra de Cy’s’ aquáticas, de serpentes primevas, dos terríveis ipupyraras - seus parentes nativos.

Os ipupyaras são monstros da água, normalmente citados como seres masculinos. Pelo menos é o que encontramos em Osvaldo Orico, Câmara Cascudo, Teodoro Sampaio e outros medalhões do nosso folclore. Talvez o primeiro registro dos ipupyaras tenha sido feito por José de Anchieta: "Há também nos rios outros fantasmas, que chamam de Igputiara, isto é, que moram n'água, que matam do mesmo modo os índios".

Podemos encontrar outros subsídios sobre os ipupyaras no livro de Afonso de Escragnolle Taunay, "Zoologia Fantástica do Brasil". Nele temos um dos registros dos homens-aquáticos, citado pelo jesuíta Fernão Cardim (2).

"Estes homens marinhos se chamam na língua Igpupiara; têm-lhe os naturais tão grande medo que só de cuidarem nele morrem muitos, e nenhum que o vê escapa; alguns morreram já e perguntando-lhes a causa, diziam que tinham visto este monstro; parecem-se com homens propriamente de boa estatura, mas têm os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, têm cabelos compridos, e são formosas; acham-se estes monstros nas barras dos rios doces. Em Jagoarigipe sete ou oito léguas da Bahia se têm achado muito; no ano de oitenta e dois indo um Índio pescar, foi perseguido de um, e acolhendo-se em sua jangada o contou ao senhor; o senhor para animar o Índio quer ir ver o monstro, e estando descuidado com uma mão fora da canoa, pegou dele, e o levou sem mais parecer, e no mesmo ano morreu outro Índio de Francisco Lourenço Caiero. Em Porto Seguro se vêem alguns, e já têm morto alguns Índios. O modo que têm para matar é: abraçam-se com a pessoa tão fortemente beijando-a e apertando-a consigo que a deixam feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta, dão alguns gemidos como de sentimento e, largando-a, fogem; e se levam alguns comem-lhe somente os olhos, narizes e a ponta dos dedos dos pés e das mãos, e as genitálias, e assim os acham de ordinário pelas praias com estas coisas menos."

É interessante que os jesuítas e viajantes dão notícias da existência dessas figuras rodeando-lhes de uma aura de 'verdade', ou seja, como se fosse um fato incontestável. E podemos notar também o registro, em 1583, que ressalta os ipupyaras femininos. Ou seja, depois de 1500, o que a crônica colonial traz de mais puramente indígena, no que concerne a monstros ou deidades da água, são os ipupyaras.

Taunay, ao sintetizar o 'crème de la crème' da Zoologia Fantástica na crônica colonial, relata que os ipupyaras eram bastante aproximados ao peixe-boi, ou ainda, a uma espécie de leão marinho. Existe a Cy (Mãe) do Peixe Boi, a Xundaráua, uma espécie de madrinha da pesca. Xundaráua faz com que os pescadores não voltem do rio sem trazer um daqueles cobiçados mamíferos. Exige, porém, que não se mate o primeiro que surja e nunca mais de um animal. Quem violar a regra nunca mais terá êxito nas suas empresas. Esse dado denota que existe algum tipo de culto ("culto" à maneira indígena, é bom frisar) ao Peixe Boi.

E o mito da Cobra Grande? É Rainha dos encantados no ciclo fluviônico (ictiológico ou aquático) indígena. As lendas aquáticas originaram-se do ctonismo silvícola e sua idéia fundamental repousa na idéia de um ser feminino (andrógino, talvez) corporificado na água. Um dos melhores exemplos é a Lenda do Nascimento da Noite. A melhor versão, e também a menos simplificada, é dada por Adaucto Fernandes, em que a Cobra Grande é relacionada a uma deidade feminina da água, Amana.

Vejamos o mito da Cobra Grande, original do Rio Branco:

"Uma das lendas da Boiúna, conta que uma linda cunhã, de grandes e vibrantes olhos negros, costumava andar na sua canoa pelo Rio Branco. Ela encantava a todos com a sua beleza e do seu corpo emanavam raios luminosos que se transformavam em música e atraiam os peixes. Por isso, acreditavam os pescadores que, quando ela singrava pelas águas, a pesca seria farta. Suspenso no seu colo estava sempre o Muirakitã, seu amuleto sagrado. Um dia, o Rio Branco, já tomado de amores pela jovem, também começou a emitir raios luminosos. E pelo efeito mágico do Muirakitã os raios de luz da cunhã e as emanações do rio cruzaram-se, o que transformou a moça em uma enorme cobra, a Boiúna. Nas noites de lua cheia a guardiã do Rio aparece e traz muitos peixes para que os habitantes ribeirinhos possam alimentar-se. Agora, se alguém aparece para depredar o rio a Boiúna vira as embarcações, matando seus barqueiros".

A imensa massa fluvial brasileira, país que acolhe o maior rio do mundo, não poderia deixar de ter suas Mães d'Água. É uma pena que nossos povos indígenas, ágrafos, não tenham registrado histórias de sereias a não ser nos relatos orais ou nas peças de cerâmica. Dependemos dos primeiros cronistas, sempre a registrar os mitos com filtro etnocêntrico. Felizmente, temos os registros arqueológicos que, embora pequem pela aridez, nos oferecem ao menos dados etnográficos confiáveis.

A Cobra Grande é a principal raiz dos mitos aquáticos. Temos, além do maior rio do mundo, uma das maiores cobras, a anaconda ou sucuriju, correlato real da Cobra Grande – maior que a sucuriju só mesmo a píton africana. Ganhamos do Egito no tamanho do rio.

Continuando com as cobras, um resumo do o mito de Tuluperê (3):

"Sendo o animal que mais se aproxima do simbolismo cíclico do vegetal, a cobra encontra uma relação com os produtos da tecedura e da fiação. No Brasil, a representante é Tuluperê, outra das faces da Cobra Grande. Tuluperê, segundo nos conta a Lenda da Cestaria, vivia nas profundezas do Rio Paru, um afluente do Amazonas. Suas cores eram o vermelho e o negro, sendo como um híbrido da sucuriju e da jibóia. A cobra virava os barcos e quando atracava alguma vítima, apartava-a até a morte e então, a devorava. Certo dia, o pajé da tribo dos Wayana, do tronco Karib, conseguiu matar a flechadas Tuluperê e guardaram na memória os desenhos que ornamentavam a sua pele. Daí por diante, passaram a reproduzir esses grafismos em suas cestas".

Tendo permanecido na arte da cestaria, o mito de Tuluperê é revivido: mito e ritual.

Temos também no nosso repertório as mulheres míticas, algumas delas transformadas em deidades da água ou ainda originárias do ambiente aquático como Amana (Karib); Maïsö (Paresi); Naoretá (Tupari); Katxuréu (Macurap) Iururaruaçú (Uaiás) e Hanekasá (Yanomami-Sanema).

Das deidades acima citadas, não é possível afirmar que persistam cultos e ritos. Mas existem uma, em especial, que faz parte de toda uma ritualística indígena: Tauvyma, personagem mítico feminino dos Asuriní do Xingu, um espírito das águas que um dia foi mulher. Sua presença nas águas é chamada de Tauva e faz parte de um extenso corpo de rituais.

Ainda dentro do aspecto ritualístico temos as divindades aquáticas invocadas pelos xamãs Kaapor, chamadas de Irïwär, que se acredita ajudarem os xamãs a predizer o futuro, a restaurar suprimentos de caça esgotados e a diagnosticar e curar doenças. O xamanismo envolve uma performance pública, assistida por habitantes da aldeia de todas as idades. Os xamãs Ka'apor afirmam ter sido chamados espiritualmente para esta ocupação quando arremessados em um córrego pela Mãe d´Água.

A nossa Yara, a sereia brasileira, é cria híbrida de muitas lendas assim como o nosso povo é fruto de várias etnias. Mas também é, sem dúvida alguma, uma sobrevivência do imaginário dos povos indígenas, das mais variadas tribos.

A imaginação se alimenta de sereias nas serenas madrugadas. E a história continua, mostrando toda a vitalidade de um dos mais persistentes mitos da humanidade.


Em Cy,
Zoe de Camaris



1- http://www.estadao.com.br/villasboas/yara.htm
LENDAS INDÍGENAS - Texto adaptado do livro Lendas e Mitos dos Índios Brasileiros
FTD Editora - Walde-Mar de Andrade e Silva

2 - TAUNAY, Afonso de Escragnolle. Zoologia Fantástica do Brasil. São Paulo: Edusp. p.102,103

3 - ver em VELTHEM, Lúcia Hussak van. A Pele de Tuluperê: uma etnografia dos
trançados Wayana. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Eduardo
Galvão, 1998, 251p.

4 - MÜLLER, Regina Polo. Os Asuriní do Xingu: história e arte. Campinas: Editora
da Unicamp, 1990.



quinta-feira, dezembro 16, 2004


Julie Newmar - Catwoman


Sereias, seres híbridos. Sempre gostei. Centauros, Minotauros, Melusinas e Medusas. Meio gente, meio bicho. E quem não é? Quem não tem um arquétipo animal pulsando dentro de si? Metamorfoses, transformações ... ainda não encontrei um assunto que me fascine tanto. E agora, com vocês, as Sereias. Afinal, estamos quase no verão. Mesmo em Curitiba. Curitiba vai ter mar. Teimo em acreditar.

Tchau, uniforme de inverno.
Hora de mergulhar.

Zoe de Camaris

terça-feira, dezembro 14, 2004




Metade Pássaro


A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundo
Chama a luz com um assobio,
Faz a virgem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas ao rio,
Me puxa do sonho eterno
Para os seus braços que cantam.


Murilo Mendes
O Visionário (1941)


quinta-feira, dezembro 09, 2004


Venus and the Queen of Hearts by Keith Holmes

A Rainha de Copas cortou todas as cabeças. Engana-se quem pensa que é atributo único de Espadas. Cabeças são arrancadas antes de tudo por fortes emoções. A frieza é um apuro nos sentimentos, máscara da impassibilidade. Quero meus olhos brilhando. Os cinco quilos que perdi na dança, serão delicadamente recuperados. Meu coração reconhece enfim, a garra do seu desejo, a plenitude da graça. Agora, posso voltar pra casa. As sementes brotaram, as portas estão abertas e há uma chaleira cheia, repleta de água quente para o chá. Pêra e baunilha, cartas e morangos, fitas de todas as cores espalhadas pela sala. Tirei o pó das pedras, queimei os negrumes, organizei as gavetas e o cheiro do seu corpo sobre o lençol azul acalenta suave. É bom ser sua. É bom ser minha. Estava com saudade.

Zoe

Waiting for the rain



OPus 2



feito tímida pedra
aguardo
o toque das suas águas

diz-me o imperturbável céu:
chuvas, em setembro

tropeço na calçada seca
e me lanço

entretida
na noite


(a lua negra desce das nuvens)


e havia sol no olhar que não espero
o abismo e o inferno
o reduto dos amigos
e suas investidas

segredos horizontais
sobre lençóis de tergal barato


o corpo, a mancha, o movimento, o pacto


línguas de salamandras
espiam entre as chamas

e você via
a fagulha fugidia
e a alegria que assusta
dos meus olhos abertos

- envolvidos em tentáculos carnívoros
a pequena morte que nos assistia -


sozinha
nos labirintos de Vila Rica
leio, ao dobrarem os sinos,
pergaminhos petrificados
os símbolos e sinais
da sua partitura

maneios e negros anéis
da medusa barroca

seremos nós
de viés
nas calçadas

chove.


Zoe de Camaris
Ouro Preto, 1997

.....
p.s.: não encontrei o autor da imagem, por ora

terça-feira, dezembro 07, 2004



La muerte de Salomé

  莎樂美之死



I

La historia, a veces, no está en lo cierto. La leyenda, en ocasiones, es verdadera, y las hadas mismas con­fiesan, en sus intimidades con algunos poetas, que mu­cho hay falseado en todo lo que se refiere a Mab, a Brocelianda, a las sobrenaturales y avasalladoras bel­dades. En cuanto a las cosas y sucesos de antiguos tiempos, acontece que dos o más cronistas contemporáneos estén en contradicción. Digo esto porque quizá habrá quien juzgue falsa la corta narración que voy a escribir en seguida, la cual tradujo un sabio sacer­dote, mi amigo, de un pergamino hallado en Palestina, y en el que el caso estaba escrito en caracteres de la lengua de Caldea.



II

Salomé, la perla del palacio de Herodes, después de un paso lascivo en el festín famoso, donde bailó una danza al modo romano, con música de arpas y crótalos, llenó de entusiasmo, de regocijo, de locura, al gran rey y a la soberana concurrencia. Un mancebo principal deshojó a los pies de la serpentina y fasci­nadora mujer una guirnalda de rosas frescas. Gayo Manipo, magistrado obeso, borracho y glotón; alzó su copa dorada y cincelada, llena de vino, y la apuró de un solo sorbo. Era una explosión de alegría y de asom­bro. Entonces fue cuando el monarca, en premio de su triunfo y a su ruego, concedió la cabeza de Juan Bautista, y Jehová soltó un relámpago de su cólera divina. Una leyenda asegura que la muerte de Salomé acaeció en un lago helado, donde los hielos le cortaron el cuello.

No fue así; fue de esta manera.



III


Después que hubo pasado el festín, sintió cansancio la princesa encantadora y cruel. Dirigióse a su alcoba, donde estaba su lecho, un gran lecho de marfil, que sostenían sobre sus lomos cuatro leones de plata. Dos negras de Etiopía, jóvenes y risueños, le desciñeron su ropaje, y, toda desnuda, saltó Salomé al lugar del reposo, y quedó blanca y mágicamente esplendorosa, so­bre una tela de púrpura, que hacía resaltar la cándida y rosada armonía de sus formas.


Sonriente, mientras sentía un blando soplo de flabeles, contemplaba, no lejos de ella, la cabeza pálida de Juan, que en un plato áureo, estaba colocada sobre un trípode. De pronto, sufriendo extraño sofocación, ordenó que se le quitasen las ajorcas y brazaletes de tobillos y de los brazos. Fue obedecida. Llevaba al cuello, a guisa de collar, una serpiente de oro, símbolo del tiempo, y cuyos ojos eran dos rubíes sangrientos brillantes. Era su joya favorita; regalo de un pre­tor, que la había adquirido de un artífice romano.


Al querérsela arrancar, experimentó Salomé un sú­bito error: la víbora se agitaba como si estuviese viva, sobre su piel, y a cada instante apretaba más y más su fino anillo constrictor, de escamas de metal. Las esclavas, espantadas, inmóviles, semejaban estatuas de piedra. Repentinamente, lanzaron un grito; la cabeza trágica de Salomé, la regia danzarina, rodó del lecho hasta los pies del trípode, adonde estaba, triste y lívi­da, la del precursor de Jesús; y al lado del cuerpo desnudo, en el lecho de púrpura, quedó enroscada la serpiente de oro.



Rubén Dario
O Beijo



Cena do filme A Última Dança de Salomé - Ken Russel


Salomé – Não quis me deixar beijá-lo, Iokannan. Eu o beijarei agora. Morderei sua boca com meus dentes como uma fruta madura. Eu beijarei sua boca, Iokannan. Eu disse que o faria, não disse? Eu a beijarei agora. Por que não me olha agora? Por que seus olhos estão fechados? Abre teus olhos, Iokannan ! Levanta suas pálpebras, Iokannan ! Por que não me olha? Você tem tanto medo de mim, Iokannan, que não vai me olhar? Seus olhos que foram tão terríveis, tão cheios de ódio e desprezo estão fechados agora. Sua língua era como uma cobra vermelha expelindo veneno. Ela não se mexe mais, agora não diz nada. A víbora vermelha que vomitou em mim. Estranho, não? Porque a cobra vermelha ficou imóvel?.... Você não me quis, Iokannan. Rejeitou-me. Disse-me coisas infames. Tratou-me como cortesã, como prostituta. Eu, Salomé ! Filha de Herodíades, Princesa da Judéia ! Agora, Iokannan, eu ainda estou viva mas você está morto e sua cabeça me pertence. Posso fazer com ela o que quiser. Dá-la aos cachorros ou aos pássaros do ar. O que os cães deixarem, os pássaros comerão... Ah, Iokannan, Iokannan,você é o único homem que eu amei. Todos os outros me enojavam. Mas você ...você era lindo. Seu corpo era uma coluna de marfim num pedestal de prata. Era um jardim com pombas e lírios de prata. Era uma torre de prata com escudo de marfim. Nada no mundo era tão branco quanto seu corpo. Nada no mundo era tão negro como seu cabelo. Nada no mundo era tão rubro como sua boca. Sua voz era como um vaso pleno de perfumes estranhos. Quando olhei para você ... ouvi música estranha. Ah, Iokannan, porque não olhou para mim? Escondeu seu rosto atrás de suas mãos e suas blasfêmias. Colocou a venda nos olhos e quis ver seu Deus. Agora viu seu Deus, Iokannan, mas a mim, a mim você nunca viu. Como o amei. Ainda o amo. Amo apenas você... Tenho sede da sua beleza. Tenho fome do seu corpo. Nem vinho nem fruta saciará o meu desejo. Diga o que farei agora. Nem rios nem enchentes afogarão minha paixão. Eu era uma princesa e você me humilhou. Eu era virgem e você não tomou minha virgindade. Eu era casta e você encheu minhas veias com fogo. Por que não olhou para mim? Se tivesse olhado para mim teria me amado. Sei que teria me amado. O mistério do amor é maior que o mistério da morte.

(Salomé beija a boca de Iokannan)
texto de Oscar Wilde




Chega de Salomés !!! A Pantera, virada em Sereia, está apaixonada por um Saci e o bom humor voltou a reinar na jungle. Até Curitiba ficou mais engraçadinha - essa Velha Senhora da Luz dos Pinhais, sisuda Sibila. Seja lá como for, tenho que dar cabo do Batista e sua Dançarina. Então, são os últimos posts sobre o assunto, para a delícia de quem já estava enjoado - eu, inclusive.

Quem quiser conhecer o blog do Saci, é só visitar : www.curitibinha.blogspot.com

Zoe
p.s.: Em tempo - a palavra "Saci" vem do tupi-guarani "Çacy" que significa Mãe das Almas. Çacy-taperê é a 'Mãe das Almas que sai nos caminhos'. O Saci que conhecemos através do folclore, diabrete pernalta, é um junção dos mitos africanos e indígenas. Cabe dar uma pesquisada na lenda da Matinta Pereira, ave-bruxa - existem correlações.

sexta-feira, dezembro 03, 2004




SERPENTES DE ÁGUA
de Gustav Klimt


Também as cores
amanhecem, também elas
acordam com os galos
da madrugada e cantam
a explosão do sol. Algumas
são água pura. A outras
o pincel conferiu-lhes
o rubor que se esconde
na nervura
de certas folhas. Outras,
ainda, festejam
o nascimento
da alegria. Ou do amor,
tanto faz. Ou não fosse ele
uma festa. Podem
chamar-lhe Judith,
Salomé: apenas dizem
os outros nomes
da serpente.


Albano Martins
(1930)

(in «A Voz do Olhar»,
Edições Universidade
Fernando Pessoa, 1998)