segunda-feira, setembro 17, 2007


Sonetos que não são (I)


Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.


Hilda Hilst
Roteiro do Silêncio (1959)

quarta-feira, setembro 12, 2007

sobre o nome de marlene


a primeira marlene se soletrava marilyn curtis,
a segunda, perdido o filho, era feélica e mélica.
a terceira, mãe do que me apolo,
morreu

há uma torre e um jardim

acendo uma vela
em honra à amargura

marlenes e sofias
cecílias
sábias & cegas



monica

terça-feira, setembro 11, 2007


receita de mulher al dente


diáfana
indelével
difinitivamente volúvel

volátil
etérea
substancialmente gasosa

fluida
solvente
anatomicamente translúcida

dúbia
insípida
misteriosamente palatável

dogma
enigma
magnificamente ideal

linda
envolvente
deliciosamente fogosa


(thadeu, beco, edilson, rodrigo, walmor)

sexta-feira, setembro 07, 2007



Dois corpos



Dois corpos frente a frente
são às vezes duas ondas
e a noite é oceano

Dois corpos frente a frente
são às vezes duas pedras
e a noite deserto.

Dois corpos frente a frente
são às vezes raízes
na noite enlaçadas.

Dois corpos frente a frente
são às vezes navalhas
e a noite relâmpago.

Dois corpos frente a frente
são dois astros que caem
num céu vazio.


Octavio Paz
tradução de Tereza Prado