"A poesia é apenas a evidência da vida. Se sua vida está queimando bem, a poesia é só a cinza" - LEONARD COHEN
quarta-feira, outubro 04, 2006
DOBRADA À MODA DO PORTO
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes.
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos
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6 comentários:
adoro teu blog, adoro você
adoro esse poema, tô adorando tudo hoje, acho que é culpa da quantidade de red bull com red label que ingeri ontem
bjs
Primo
Num dia cinzento por fora e por dentro, como compreendo pessoa que suspira por uma refeição quente... Já agora direi que no Porto as coisas são um pouco directas, sem grandes disfarces, popularmente falando, graça e estética não são para os muitos. E então no Porto não se diz 'Dobrada à moda do Porto', como em Lisboa se diz e o Poeta escreveu. Por cá se diz, cruamente, 'Tripas à moda do Porto', sendo os habitantes apelidados de 'tripeiros' (com uma justificação, certa ou errada, referente a um episódio histórico passado há quase 600 anos). Um pouco feio, eu sei, coisas que vão saindo de moda, ficando a 'dobrada', que é comida algo pesada mas muito gostosa para quem aprecie, temperada com dose generosa de cominhos, que dá um sabor ultra-característico e é digestivo, acho. Mas não protestem se um dia provarem e detestarem, ora essa... eis um exemplo de poesia 'visceral', digamos... ah, e lembrou-me agora uma 'drobadinha muito gostosa' (sic) comprada num supermercado em Recife, no ano distante de 1983. Um bom almoço para todo(a)s.
Pois leve ao forno!
Primo,
vc precisa experimentar um drink de absinto com energético. Chama-se ABISMO.
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José,
sempre detestei dobradinha (que é como se diz no Brasil) até comer sem saber do que se tratava. Quando soube, passei mal.
Este poema é bárbaro. Grata pelas curiosas obeservações.
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Cláudia,
Coloquei no forno mas tive que brigar com o garçom.
até,
Zoe
Sendo algo chato, e cruento, esclarecerei os mais distraídos que 'dobradinha' é confeccionada com estômago e não intestino, quero pensar que é mais 'fibra' do que 'tripa'. Tá, não me 'apedrejem', eu até sou meio vegetariano. E se souber o que estou a comer, não comerei dobradinha. Mas se não pensar, poderei gostar. É como ovo estrelado: delicioso, não? E se pensarmos o que é... cadê minhas lentilhas. Prometo não voltar ao irritante tema. Bom dia!
Muto bom seu blogg!
abs
Byra Dorneles
www.byradornelles.blogspot.com
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