quarta-feira, junho 30, 2004

Mulher Gato

Subo pela escada de incêndio. O inimigo me persegue mas é inofensivo, antigo colega de cursinho. Exercito meus dons movendo-me como um felino em slow motion, pronto para atacar - domínio completo da situação. Ele se move como se não estivesse de cara com uma fera fatal - misto de admiração e surpresa. Posso destruí-lo, mas não é preciso. O poder do veludo basta. A sensação das vibrissas, das garras, a agilidade da de um grande gato. Posso deixar livre a minha presa. Eu sou a Mulher-Gato.

Minhas roupas são coloridas como o vento. Ele me conta seu sonho na montanha russa. Perde o controle, mal pode se segurar. Desequilibro-me com sua indecisão e ele me pega por uma das mãos - estou pendurada no alto da montanha. Lentamente a mão se transforma em uma pata, ele a solta, eu caio. Sou a Mulher-Gato, colorida pelo vento.

Envolta em cobertores, um grande cachorro desengonçado lambe meus dedos. Não me sinto à vontade. Levanto-me e caminho até a janela, um prédio alto. Em um retângulo de madeira grudado na beirada, ronda a pantera negra de papel de seda. Preciso descer, não sei a razão, não sei meu destino. A pantera me olha espelhando-se nas retinas e rosna. Desconfio da sua ferocidade de papel. Pulo. Ela me morde, agarrando-me com os dentes pela mão esquerda. Consigo me segurar em um cano de metal – para o meu pasmo, com a mesma mão esquerda. Sacudo violentamente a outra mão onde se agarra um sanguessuga, que me suga, suga, suga. Sua forma na calçada, morta, desenha o corpo humano. Sou uma mulher.

Zoe de Camaris
julho/94

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