terça-feira, julho 25, 2006



Pequena ilha ao leste do mar
Brinco à luz da areia com um caranguejo
A face molhada de lágrimas.


Takuboku Ishikawa
Tankas
Trad. de Masuo Yamaki e Paulo Colina
A Concha Verde de um Caranguejo


Não exatamente verde:
mais para o bronze
preservado em boa salmoura,

alguma coisa recobrada
de naufrágio greco-romano,
patinada e estranhamente

muscular. Não podemos
saber como suas fantásticas
pernas foram –

embora evidências
sugiram oito
complexas, dobráveis

e velozes obras
de armamento, coroadas
pelas garras dianteiras

em gesto de ameaça
e poder. Uma gaivota
devorou seu centro,

deixando esta cavidade
– tamanho de meia-taça –
aberta para revelar

surpreendente azul de Giotto.
Embora recenda
a algas e ruínas,

este pequeno escrínio navegante
vem com tal profuso forro!
Imagine-se respirar

rodeado pela
brilhante exaguadura
de firmamento no verão.

De que cor é
o avesso da pele?
Nada mal se ao morrer

pudéssemos ser abertos
até isto –
se as menores cavidades

de nós mesmos,
similarmente,
revelassem algum céu.


Mark Doty
Trad. de Heleno Godoy


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O CARANGUEJO


Ele diz não com a cabeça
mas diz sim com o coração.
Ele diz sim só ao que ama
mas diz não ao professor.
Está de pé e o interrrogam
mas são problemas demais.
Morre de rir - de repente -
e apaga tudo o mais:
os algarismos e os nomes
as datas e as palavras
e as frases de emboscada.
O professor o ameaça
sob a vaia dos meninos
( os geniozinhos da classe)
mas ele, ele trabalha:
com giz de todas as cores
no quadro-negro das dores
desenha o rosto da felicidade.

Jacques Prevért
Tradução de Maria do Carmo Ferreira


LE CANCRE


Il dit non avec la tête
mais il dit oui avec le coeur
il dit oui à ce qu’il aime
il dit non au professeur
il est debout
on le questionne
et tous les problèmes sont posés
soudain le fou rire le prend
et il efface tout
les chiffres et les mots
les dates et les noms
les phrases et les pièges
et malgré les menaces du maître
sous les huées des enfants prodiges
avec des craies de toutes les couleurs
sur le tableau noir du malheur
il dessine le visage du bonheur.

Jacques Prevért

p.s.: Le cancre, o caranguejo, em linguagem familiar,
designa também o menino preguiçoso ou vadio.
O caranguejo


O terrível caranguejo que devora
seios, pâncreas, próstatas,
afunda suas patas de insistência fixa
em um grande útero de plástico.
Destino limitado, pois não tem
carne de sua escolha para morder,
água potável ou sangue.

Talvez não se tenha querido
oferecer todo o quadro.
O Zôo, no entanto,
mostra o principal, nem mais nem menos
que em outras capitais importantes.

À direita, junto ao gângster.



NICOLÁS GUILLÉN
Trad.Marcelo Tápia


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Caranguejola


Ah, que me metam entre os cobertores,
e não me façam mais nada!...

Que a porta do meu quarto fique sempre fechada
que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...

Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...

Façam apenas com que eu tenha sempre ao meu lado
bolos de ovos e uma garrafa de madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.

Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...

Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?

Não fui feito pra festas. Larguem-me!

Deixem-me sossegar...

Noite sempre pelo meu quarto. As cortinas corridas, e eu aninhado a dormir, bem quentinho – que amor!...

Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor pelo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas.

Se me doem os pés e não sei andar direito,
pra que ei de teimar em ir para as salas, de Lord?

Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?

E quem posso eu esperar, com minha delicadeza?...

Deixa-te de ilusões, Mário! Bom edredon, bom fogo
e não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.

Pra que hei de então andar aos tombos, numa inútil correria?

Tenham dó de mim.

Co'a breca! Levem-me pra enfermaria!

Isto é, pra um quarto particular que o meu pai pagará; justo. Um quarto de hospital, higiênico, todo branco, moderno e tranqüilo; em Paris é preferível, por causa da legenda...

Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda; e depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas–feiras, se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.

Agora no meu quarto é que não entras, mesmo com as melhores maneiras...

Nada a fazer, minha rica. O menino dorme.

Tudo o mais acabou.


Mário de Sá-Carneiro
O nativo de câncer
(fragmento)


Tessitura do arcano, equipagem noturna,
alva rede balança. Juramento nem lei
a ligam à pátria. Cordas e fronteiras
não a prendem:

Esta é Tisbe,
onde as pombas adejam ruidosas.
Esta Eleusis,
de Ceres e de Mário a mais amada.

E, grudado ao negro cabrestame, equinócios
de visgo, luas, peixes, nas quilhas
dessa rede itinerante.

Ó Alcino, sogro e rei, às tuas praias
de perenes lembranças retornei,
pois, se das águas salvo fui um dia,
das voragens do amor não me salvei,
e nessa nau que vês, nutriz de sonhos,
a Óbidos, aos deuses consagrada,
a inupta consorte levarei.
E dois agora somos nesse barco,
mas, se a Circe somarmos somos três.

Ruy Barata
(1920-1990)

terça-feira, julho 11, 2006

casamento de viúva




você não via que eu chorava porque chovia
aquele não sei o quê que eu gaguejei
era tudo que eu conseguia

a chuva molhou o que eu quase disse
você teria dito o que eu deveria dizer
se o seu guarda-chuva não se abrisse

lembro só da chuva quando caia
me olhava por dentro e havia sol
enquanto aqui fora chovia


T.Wojciechowski e M. Prado

domingo, julho 09, 2006

Traquinagem Colossal



Tremendo cara-de-pau, esse tal de Cupido. E tremendo, quem não fica quando ele se aproxima? Atena larga seu escudo, Ártemis resolve ir morar na cidade grande, Afrodite surta - não há quem não tema o poder do garoto mimado. Se emburrece até os deuses... e ainda faz essa carinha linda, muito pior que a do gatinho-de-botas do Shrek.

Padre Antônio Vieira procura esclarecer. Mas não adianta nada.

............

(...) no Mundo e entre os homens, isto que vulgarmente se chama amor, não é amor, é ignorância. Pintaram os Antigos ao amor menino; e a razão, dizia eu o ano passado, que era porque nenhum amor dura tanto que chegue a ser velho. Mas esta interpretação tem contra si o exemplo de Jacob com Raquel, o de Jonatas com David, e outros grandes, ainda que poucos. Pois se há também amor que dure muitos anos, porque no-lo pintam os sábios sempre menino? Desta vez cuido que hei-de acertar a causa. Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar, são duas cousas que não se juntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto que vulgarmente se chama amor tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente; quem, ignorando, amou, em rigor não é amante.

Pe. Antonio Vieira
Sermão do Mandato, 1645


psiu: o som que eu escolhi, se quiser escutar, taí no cantinho.
é o thadeu cantando, a letra é dele e do marcos.

EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA






Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


Dylan Thomas
tradução de Ivan Junqueira

sábado, julho 08, 2006




sintaxe-me


rima um poema de me amar
cisma comigo
não me bar, não me linhe, não me areie,

do último ao íntimo
índigo

um poema de me amar

me
mínima

imescuidamente
harmônica


Z>o>e