quinta-feira, janeiro 20, 2005


Estátua de Loreley no Reno

LORELEI


Não é uma noite pra se afogar dentro:
Uma lua cheia, rio decaindo
Negro entre brando brilho-espelho,

Os vapores d´água azuis pingando
Fios após fios feito redes de pesca
Apesar dos pescadores estarem dormindo,

Os torreões maciços do castelo
Duplicando-se numa superfície
Toda mansidão. Mas flutuam estas

Formas até mim, perturbando a face
Da quietude. Do ponto mais baixo
Se erguem, seus membros graves

De riqueza, cabelo mais pesado
Que mármore esculpido. Cantam
Sobre um mundo mais cheio e claro

Que o possível. Irmãs, seu canto
Carrega uma carga densa em demasia
Pra audição do ouvido espiralado

Aqui, numa terra bem dirigida,
Sob um governante destro.
Transtornando pela harmonia

Muito além da ordem terrestre,
Suas vozes armam cerco. Hospedam-se
Nos recifes agudos do pesadelo,

Prometendo acolhida certa;
De dia, descantam dos limites
Da hebetude, das altas janelas

Também na beira. Pior ainda que
Seu enlouquecedor canto,
O seu silêncio. Na origem

Do seu apelo de coração gelado –
Bebedeira das grandes profundidades.
Oh rio, eu vejo derivando

No fundo do teu fluxo prateado,
Aquelas grandes deusas de paz.
Pedra, pedra, me leve lá pra baixo.


Sylvia Plath

Versão brasileira: Ivan Justen Santana

Sereia Brasileira


Infalível - provocar o Ivan postanto traduções que ele não gosta. O rapaz coça a cabeça, vê a pilha de trabalho da FCC na sua frente, manda tudo às favas, compra 4 latinhas e cai de boca no poema. Sempre funciona...e eu e meus leitores nos damos bem - arranco do poeta suas linhas mais raras. Viva eu !!!

Com vocês, saindo quentinho do forno, uma versão brasileira do Lorelei de Silvia Plath.

Incomparável.


Zoe

segunda-feira, janeiro 17, 2005

LORELEI





LORELEI


Não existe nenhuma noite para nos afogarmos:
lua cheia, um rio correndo
negro sob um suave reflexo de espelho,

névoas azuis da água gotejando
de malha para malha como redes de pesca
embora os pescadores durmam,

torres sólidas do castelo
multiplicando-se num espelho
todo ele silêncio. Mas estas formas flutuam

em minha direção, perturbando o rosto
da quietude. Do nadir
erguem os seus membros plenos

de opulência, cabelos mais pesados
que o mármore esculpido. Cantam
um mundo mais cheio e límpido

do que aquele que existe. Irmãs, a vossa canção
traz uma carga demasiado pesada
para ser escutada pelas espirais do ouvido,

aqui, num país onde um sensato
senhor governa equilibradamente.
Ao serem perturbadas pela harmonia

que existem além da ordem deste mundo,
as vossas vozes fazem um cerco. Estais alojadas
nos recifes em declive do pesadelo,

prometendo um abrigo certo;
de dia, estendem-se para além dos limites
da inércia, das saliências

que existem também nas altas janelas. Pior
ainda que esta canção de enlouquecer
é o vosso silêncio. Na origem

do apelo do vosso coração gelado
- a embriaguez das grandes profundezas.
Ó rio, como vejo serem arrastadas

lá no fundo do teu curso de prata,
aquelas grandes deusas da paz.
Pedra, pedra, leva-me lá para baixo.

Silvia Plath

(tradução de Maria de Lourdes Guimarães)


...

LORELEI


It is no night to drown in:
A full moon, river lapsing
Black beneath bland mirror-sheen,

The blue water-mists dropping
Scrim after scrim like fishnets
Though fishermen are sleeping,

The massive castle turrets
Doubling themselves in a glass
All stillness. Yet these shapes float

Up toward me, troubling the face
Of quiet. From the nadir
They rise, their limbs ponderous

With richness, hair heavier
Than sculptured marble. They sing
Of a world more full and clear

Than can be. Sisters, your song
Bears a burden too weighty
For the whorled ear's listening

Here, in a well-steered country,
Under a balanced ruler.
Deranging by harmony

Beyond the mundane order,
Your voices lay siege. You lodge
On the pitched reefs of nightmare,

Promising sure harborage;
By day, descant from borders
Of hebetude, from the ledge

Also of high windows. Worse
Even than your maddening
Song, your silence. At the source

Of your ice-hearted calling --
Drunkenness of the great depths.
O river, I see drifting

Deep in your flux of silver
Those great goddesses of peace.
Stone, stone, ferry me down there.

Silvia Plath


Espelho
Silvia Plath


Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas verdadeiro -
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.

Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.


translated by André Cardoso
(in 34 LETRAS, issue 5/6, Ed. 34 Literatura and Nova Fronteira, Brazil, 1989)

....

Mirror


I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see I swallow immediately
Just as it is, unmisted by love or dislike.
I am not cruel, only truthful --
The eye of a little god, four-cornered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me,
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the moon.
I see her back, and reflect it faithfully.
She rewards me with tears and an agitation of hands.
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.

Silvia Plath

domingo, janeiro 16, 2005

O ESPELHO


The Woman in front of mirror / Jemal Kokhreidze


"O que seduz é não este ou aquele gesto feminino mas o que é para vós. Ele é sedutor por ser seduzido, por conseguinte o ser-seduzido é que é sedutor. Em outros termos, a pessoa sedutora é aquela na qual o ser seduzido reencontra-se. A pessoa seduzida encontra no outro o que o seduz, o único objeto de sua fascinação, a saber, seu próprio ser todo feito de encanto e sedução, a imagem amável de si mesmo... "

Vincent Descombes
O inconsciente apesar de si