segunda-feira, agosto 30, 2004


Femme avec chat / Fernand Léger, 1921 Posted by Hello

A un gato

No son más silenciosos los espejos
ni más furtiva el alba aventurera;
eres, bajo la luna, esa pantera
que nos es dado divisar de lejos.
Por obra indescifrable de un decreto
divino, te buscamos vanamente;
más remoto que el Ganges y el poniente,
tuya es la soledad, tuyo el secreto.
Tu lomo condesciende a la morosa
caricia de mi mano. Has admitido,
desde esa eternidad que ya es olvido,
el amor de la mano recelosa.
En otro tiempo estás. Eres el dueño
de un ámbito cerrado como un sueño.

Jorge Luis Borges
El oro de los tigres, 1972


Calle / Photo by Zom Posted by Hello

Patas de Pantera

O vento frio me mata Um beijo me recria
Quem sabe uma noite inteira Ou na
metade de um dia Ela pise com patas de
pantera Sobre essas páginas frias
Elegante como quem volta Sem saber
aonde ia


Ademir Assunção

quinta-feira, agosto 26, 2004


Arthur Rimbaud Posted by Hello

Rêvé Pour l'hiver

- Arthur Rimbaud -



no inverno, rosa, combinaremos
num vagãozinho com almofadas azuis
- um ninho só de cantos macios -
iremos e no bem estar estaremos


para não ver fecharás o olho
pela janela as caretas feias
essas monstruosidades horrendas
negros demônios e negros lobos


e sentirás a face arranhada
um beijinho feito aranha desvairada
correrá pelo teu pescoço, minha cara


e dirás (procure) inclinando a cabeça
todo o tempo do mundo a cata
desse bichinho que viaja depressa


Versão brasileira: Marcos Prado e Sergio Viralobos
____________________________________

À *** Elle.

Rêvé Pour l'hiver

L'hiver, nous irons dans un petit wagon rose
Avec des coussins bleus.
Nous serons bien. Un nid de baisers fous repose
Dans chaque coin moelleux.

Tu fermeras l'oeil, pour ne point voir, par la glace,
Grimacer les ombres des soirs,
Ces monstruosités hargneuses, populace
De démons noirs et de loups noirs.

Puis tu te sentiras la joue égratignée...
Un petit baiser, comme une folle araignée,
Te courra par le cou...

Et tu me diras : « Cherche ! » en inclinant la tête,
- Et nous prendrons du temps à trouver cette bête
- Qui voyage beaucoup...



En Wagon, le 7 octobre 70 Arthur Rimbaud.

Manuscrit




quarta-feira, agosto 25, 2004


Eu Posted by Hello

Queiras ou não

Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente


Vladimir Maiakovski

segunda-feira, agosto 23, 2004


Tears/Man Ray-1932 Posted by Hello

domingo, agosto 22, 2004

elogio da lágrima




a respiração pára, ela nasce
mergulha em todos os matizes
e não tem cor
segue o rastro das panteras
e não cheira
bate na língua
(soro fisiológico)
bóia na pupila
e se recolhe


Zoe de Camaris

sábado, agosto 21, 2004


Ivanzinho Posted by Hello

oh Poet ...

Como frisei num dos primeiros posts, o blog Palavra de Pantera foi criado para que eu pudesse publicar o material que coletei (e escrevi) sobre a pantera. Muito do que encontrei permanecia sem tradução ou com versões que eu não apreciava. Mobilizei amigas e amigos doutos principalmente em língua inglesa mas sem o talento poético que possibilitasse versões que me agradassem. Sem grana, sem chance de pagar por traduções abalizadas. E aí? Bem, a gente se vira com o que tem. Ou seja, me propus a blogar o que tinha e, quem sabe, sensibilizar alguém que curtisse o tema e topasse a empreitada por amor às palavras - ou por raiva de vê-las mal traduzidas que é mais ou menos a mesma coisa. Curiosamente, algum anjo felino bateu na porta do meu amigo Ivan Justen que, logo de cara, topou a brincadeira. E traduziu, especialmente para esta que vos fala, Leconte de Lisle, Rainer Maria Rilke, Charles Bukowski, Silvia Plath e David Bowie. Aumentou o brilho da pantera negra, escovando seu pêlo com delicadeza (miaurrr, diz a fera baixinho e bate com a cabeça nas pernas do amigo).
Nessas, o Ivan resolveu criar um blog pra ele também - Depois daquele surto - e começamos a trocar commments - levei vários puxões de orelha e alguns elogios. E agora, o Sr. Ivan Justen Santana resolveu parar de escrever o seu blog. Posto aqui essa falação toda só para dar meu voto contrário. Ivan, volte. Depois daquele surto é necessário. É bom ler você, poeta.

http://ossurtado.blogspot.com/

Zoe de Camaris

Franz Kafka Posted by Hello

UM ARTISTA DA FOME



Franz Kafka


Nas últimas décadas o interesse pelos artistas da fome; diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os tempos eram outros. Antigamente toda a cidade se ocupava com os artistas da fome: a participação aumentava a cada dia de jejum; todo mundo queria ver o jejuador no mínimo uma vez por dia; nos últimos, havia espectadores que ficavam sentados dias inteiros diante da pequena jaula; também à noite se faziam visitas cujo efeito era intensificado pela luz de tochas; nos dias de bom tempo a jaula era levada ao ar livre e o artista mostrado especialmente às crianças. Embora para os adultos ele não passasse de um divertimento, no qual tomavam parte por causa da moda, as crianças olhavam com assombro, de boca aberta, uma segurando a mão da outra por insegurança, aquele homem pálido, de malha escura, as costelas extremamente salientes, que desdenhava até uma cadeira para ficar sentado sobre a palha espalhada no chão: ora ele acenava polidamente com a cabeça, ora respondia com um sorriso forçado às perguntas, esticando o braço pelas grades para que apalpassem sua magreza e mergulhando outra vez dentro de si mesmo, sem se importar com ninguém, nem mesmo com a batida do relógio - tão importante para ele a única peça que decorava a jaula - mas fitando o vazio com os olhos semicerrados e bebericando de vez em quando água de um copo minúsculo para umedecer os lábios.

Além dos espectadores que se revesavam, havia ali também vigilantes escolhidos pelo público - em geral, curiosamente, açougueiros, sempre três ao mesmo tempo, e que assumiam a tarefa de observar dia e noite o artista da fome para que ele não se alimentasse por algum método oculto. Mas isso era apenas uma formalidade introduzida para tranquilizar as massas, pois os iniciados sabiam muito bem que o jejuador, durante o período de fome, nunca, em circunstância alguma, mesmo sob coação, comeria alguma coisa, por mínima que fosse: a honra da sua arte o proibia. Sem dúvida nem todo vigilante podia entender isso; havia muitas vezes grupos de vigia que à noite exerciam com muita displicência o seu papel, reunindo-se de propósito num canto distante, onde mergulhavam no jogo de cartas com a intenção manifesta de conceder ao artista da fome um descanso durante o qual, no seu modo de ver, ele podia lançar mão de provisões secretas. Nada atormentava tanto o jejuador quanto esses vigilantes: eles turvavam seu estado de ânimo e tornavam o jejum terrivelmente difícil; às vezes, superando a fraqueza, ele cantava, enquanto tinha forças, no período de vigia, para mostrar às pessoas que era injusto suspeitarem dele. Mas isso pouco ajudava, porque então eles se admiravam da sua destreza para comer até cantando. Para ele eram muito preferíveis os vigilantes que se sentavam bem junto às grades, não se contentavam com a fosca iluminação noturna da sala e faziam incidir no jejuador os raios de lanternas elétricas de bolso que o empresário punha à sua disposição. À luz crua não o incomodava de modo algum; embora não pudesse dormir, sempre cochilava um pouco com qualquer luminosidade e a qualquer hora, mesmo na sala superlotada e barulhenta. Com qualquer desses vigilantes estava sempre pronto a passar a noite toda em claro, a trocar gracejos com eles, contar-lhes histórias da sua vida errante e depois escutar as deles - tudo para mantê-los despertos, para poder provar-lhes que não tinha nada comestível na jaula e que jejuava como nenhum deles seria capaz. Mas era de manhã que ficava mais feliz do que nunca, pois então, por sua conta, era servido aos vigilantes um café da manhã suculento, ao qual eles se atiravam com o apetite de homens sadios depois de uma noite de trabalhosa vigia. Na realidade não faltavam pessoas que queriam ver nessa refeição uma influência indevida sobre os vigilantes; mas isso era ir longe demais e quando perguntavam a elas se porventura queriam assumir a vigilância noturna em nome da causa e sem o café da manhã, elas torciam a cara e conservavam suas suspeitas.

Isso no entanto já fazia parte das suspeitas inerentes à profissão do artista da fome. Ninguém estava em condições de passar todos os dias e noites ininterruptamente a seu lado como vigilante, portanto ninguém era capaz de saber, por observação pessoal, se o jejum fora realmente mantido sem falha e interrupção; só o artista podia saber isso e ser o espectador totalmente satisfeito do próprio jejum. Entretanto ele nunca estava satisfeito por outro motivo: talvez não fosse em virtude do jejum que estivesse tão magro - a tal ponto que muitos, lamentando-se por causa disso, tinham que se afastar das apresentações porque não conseguiam suportar aquela visão - mas sim em virtude da insatisfação consigo mesmo. É que só ele sabia - só ele e nenhum outro iniciado - como era fácil jejuar. Era a coisa mais fácil do mundo. Ele não o ocultava, mas não acreditavam nele; no melhor dos casos consideravam-no modesto, no geral porém um faroleiro ou simples farsante, para quem o jejum era fácil porque ele conhecia a maneira de torná-lo fácil e ainda por cima tinha o topete de o admitir só pela metade. Ele era obrigado admitir tudo isso, mas no correr dos anos se acostumou; no entanto a insatisfação o roía por dentro e nem uma única vez, depois de qualquer período de fome - tinham de conceder-lhe esse crédito - deixara espontaneamente a jaula. O empresário havia fixado em quarenta dias o prazo máximo de jejum, acima disso ele nunca deixava jejuar nem nas grandes cidades do mundo - e isso por um bom motivo. A experiência mostrava que durante quarenta dias era possível espicaçar o interesse ativado gradativamente, mas depois disso o público falhava e se podia verificar uma redução substancial da assistência; naturalmente existiam neste ponto pequenas diferenças segundo as cidades e os países, mas como regra quarenta dias eram o período máximo. Sendo assim, no quadragésimo dia eram abertas as portas da jaula coroada de flores, uma platéia entusiasmada enchia o anfiteatro, uma banda militar tocava, dois médicos entravam na jaula para proceder às medições necessárias no artista da fome, os resultados eram anunciados à sala por um megafone e finalmente duas moças, felizes por terem sido as sorteadas, ajudavam o jejuador a sair da jaula, descendo com ele alguns degraus de escada até uma mesinha onde estava servida uma refeição de doente cuidadosamente selecionada. E neste momento o artista da fome sempre resistia. Na verdade colocava voluntariamente os braços ossudos nas mãos das jovens que se curvavam sobre ele, mas não queria se levantar. Por que parar justamente agora, depois de quarenta dias? Ele poderia aguentar ainda muito tempo, um tempo ilimitado; por que suspender agora, quando estava no melhor, isto é, ainda não estava no melhor do jejum? Por que queriam privá-lo da glória de continuar sem comer, de se tornar não só o maior jejuador de todos os tempos - coisa que provavelmente já era - e também se superar a si mesmo até o inconcebível, uma vez que não sentia limites para a sua capacidade de passar fome? Por que essa multidão, que fingia admirá-lo tanto, tinha tão pouca paciência com ele? Se ele aguentava continuar jejuando, porque ela não suportava isso? Além do mais ele estava cansado, bem assentado sobre a palha e devia endireitar o corpo todo e caminhar até a comida: só de pensar nela sentia náuseas, cuja exteriorização porém ele reprimia a custo só em consideração às damas. E erguia a vista para os olhos das moças na aparência tão amáveis, mas na verdade tão cruéis e balançava a cabeça excessivamente pesada sobre o pescoço fraco. Mas então acontecia o mesmo de sempre. O empresário chegava e sem dizer uma palavra - a música tornava qualquer discurso impossível - levantava os braços sobre o artista da fome, como se convidasse o céu à contemplar sua obra sobre a palha, este mártir digno de compaixão - que o artista da fome de fato era, mas num sentido muito diferente; agarrava-o pela cintura delgada, com um cuidado exagerado, como se quisesse fazer acreditar que tinha de lidar aqui com uma coisa muito quebradiça e - não sem sacudi-lo um pouco às escondidas, de tal forma que o artista da fome balançava descontrolado de um lado para o outro com as pernas e o tronco - entregava-o às jovens que nesse ínterim tinham ficado mortalmente pálidas. Aí então o jejuador tolerava tudo: a cabeça caía sobre o peito, como se tivesse rolado para lá e ficasse ali sem explicação; o corpo estava esvaziado; as pernas, para se sustentarem, apertavam-se uma contra a outra na altura dos joelhos, raspando o chão como se ele não fosse o verdadeiro - estes elas ainda procuravam; e o peso inteiro do corpo, embora bem pequeno, recaía sobre uma das damas que, buscando ajuda, com o fôlego entrecortado - não tinha imaginado desse jeito a missão honorífica - esticava o mais que podia o pescoço para livrar pelo menos o rosto do contato com o artista da fome. Mas depois, como não o conseguisse e a companheira mais feliz que ela, não ia em seu socorro - contentando-se em transportar, trêmula, a mão do jejuador, esse pequeno feixe de ossos, sob o riso delicado da sala - rompia no choro e precisa ser substituída por um criado há muito tempo preparado para isso. Em seguida vinha a refeição, na qual o empresário fazia o artista da fome engolir alguma coisa durante um semi-sonho de desmaio em meio a uma conversa divertida que devia desviar a atenção do estado do artista; depois era erguido um brinde ao público, supostamente soprado pelo jejuador ao empresário; a orquestra reforçava tudo com uma grande fanfarra, as pessoas se dispersavam e ninguém tinha o direito de ficar insatisfeito com o acontecimento - ninguém a não ser o artista da fome, só ele, sempre.

Assim viveu muitos anos, com pequenas pausas regulares de descanso, num esplendor aparente, respeitado pelo mundo mas, apesar disso, a maior parte do tempo num estado de humor melancólico, que se tornava cada vez mais sombrio porque ninguém conseguia levá-lo a sério. Aliás, com o que poderia ser consolado? O que lhe restava desejar? E se alguma vez uma pessoa bem-intencionista se compadecia dele e queria lhe explicar que sua tristeza provavelmente vinha da fome, podia acontecer - em especial no estágio avançado do jejum - que respondesse com um acesso de fúria e começasse a sacudir as grades como um animal, para susto de todos. Mas para esses estados o empresário dispunha de um castigo que gostava de aplicar. Desculpava o artista perante o público reunido, admitia que só a irritabilidade provocada pelo jejum - facilmente compreensível por pessoas bem alimentadas - tornava perdoável o comportamento do jejuador; nesse contexto acabava se referindo também à afirmação do artista da fome - igualmente merecedora de um esclarecimento - de que poderia jejuar muito mais ainda do que jejuava; elogiava a elevada ambição, a boa vontade, a grande negação de si mesmo que sem dúvida estavam contidas nessa afirmação, mas depois procurava refutá-la, pura e simplesmente, mostrando fotografias - que eram vendidas naquela hora - pois na imagem se via o artista da fome, no quadragésimo dia de jejum, quase extinto de inanição. Essa distorção da verdade, de resto bem conhecida, mas sempre enervante, era demais para o jejuador. O que era consequência do encerramento prematuro do jejum se apresentava aqui como sua causa! Era impossível lutar contra essa incompreensão, contra esse mundo de insensatez. Embora sempre tivesse ouvido de boa fé o empresário, quando as fotografias apareciam ele largava das grades da janela, às quais estivera ansiosamente grudado, e afundava outra vez na palha, soluçando; e então o público, acalmado, podia aproximar-se e examiná-lo.

Quando as testemunhas se recordavam dessas cenas, alguns anos mais tarde, muitas vezes não compreendiam a si mesmas. Pois nesse meio tempo interveio a virada já referida; isso aconteceu quase de repente; devia haver motivos mais profundos, mas quem iria se preocupar em descobri-los? Seja como for, o mimado artista da fome se viu um dia abandonado pela multidão ávida de diversão que preferia afluir a outros espetáculos. O empresário percorreu novamente com ele meia Europa para ver se aqui e ali não se reencontrava o antigo interesse; tudo inútil; como se fosse por um acordo secreto, em toda parte havia se estabelecido uma repulsa contra o espetáculo da fome. É evidente que na realidade isso não poderia ter sucedido de repente e recordava-se agora, com atraso, de muitos presságios que na época da embriaguez do triunfo não tinham sido suficientemente respeitados, nem suficientemente reprimidos; mas agora já era tarde demais para fazer alguma coisa. Certamente os bons tempos do jejum um dia também voltariam, mas para os que viviam naquela época isso não era um consolo. O que o artista da fome podia então fazer? Quem tinha sido aclamado por milhares de pessoas não podia exibir-se em barracas nas pequenas feiras, e para adotar outra profissão o artista estava não só muito velho, mas sobretudo entregue com demasiado fanatismo ao jejum. Sendo assim, demitiu o empresário, companheiro de uma carreira incomparável, e se empregou num grande circo; para poupar a própria suscetibilidade, nem olhou as condições do contrato.

Um grande circo, com seus inúmero homens, animais e aparelhos que sem cessar se recompõem e se completam, pode utilizar qualquer um a qualquer hora, mesmo um artista da fome - naturalmente se as pretensões dele forem modestas; além disso, neste caso particular não era apenas o próprio jejuador a ser engajado, mas também o seu nome antigo e famoso; de fato não se podia dizer, dada a peculiaridade da sua arte - que com o avanço da sua idade não diminuía - que o veterano artista, passado o auge da sua capacidade, queria se refugiar num posto tranquilo do circo; pelo contrário, o artista da fome garantia que jejuava tão bem quanto antes, o que era perfeitamente digno de fé; afirmavam até que, se o deixassem fazer sua vontade - e isso lhe prometeram logo - desta vez ia encher o mundo de justificado espanto; uma declaração, contudo, que só provocou um sorriso nos especialistas, cientes do espírito da época que, no seu zelo, o artista da fome facilmente esquecia.

Mas no fundo o jejuador também não deixou de perceber as condições reais e considerou natural que ele não fosse colocado com sua jaula como número de destaque, no centro do picadeiro, mas sim fora, num lugar aliás bastante acessível, situado perto dos estábulos. Cartazes grandes e coloridos emolduravam a jaula e anunciavam o que podia ser visto nela. Quando o público, nos intervalos do espetáculo, se comprimia junto às estrebarias para visitar os animais, era quase inevitável que passassem diante do artista da fome e parassem um pouco; talvez permanecessem ali por mais tempo se a multidão que vinha atrás, sem entender aquela parada no meio do caminho aos estábulos, não tornasse impossível uma observação mais prolongada e tranquila. Esse também era o motivo pelo qual o jejuador tremia ao pensar naquelas horas de visita, que ele naturalmente desejava como meta na sua vida. Nos primeiros tempos mal podia esperar os intervalos entre as apresentações; encantado, dirigia o olhar para a multidão que se aproximava, até que logo, - nem mesmo o auto-engano mais pertinaz e quase consciente resistia às experiências - se convenceu de que o objetivo daquelas pessoas era sempre, sem exceção, visitar os estábulos. O mais belo continuava sendo essa visão à distância. Pois assim que os visitantes se aproximavam dele, ensurdeciam-no os gritos e xingamentos dos dois partidos que sem cessar se formavam - o daqueles que queriam vê-lo confortavelmente (tornou-se em breve o mais penoso para o artista da fome), não por compreensão, mas por capricho e teimosia; e o daqueles que queriam ir diretamente às estrebarias. Passada a grande turba, chegavam os retardatários, mas mesmo estes, a quem nada mais impedia de ficar ali quanto tempo quisessem, apertavam o passo e iam direto, quase sem olhar para o lado, a fim de chegar em tempo de ver os animais. E não era um acaso muito frequente que um pai de família viesse com seus filhos, apontasse o dedo para o jejuador, explicasse em detalhe do que se tratava, contasse coisas dos anos passados, quando presenciara apresentações semelhantes, mas incomparavelmente mais grandiosas e as crianças, em vista do seu preparo insuficiente na escola e na vida, continuavam sem entender - o que significava para elas passar fome? - mas traíam no brilho dos seus olhos perscrutadores algo dos novos tempos vindouros e mais clementes. Talvez - dizia às vezes o jejuador a si mesmo - tudo melhorasse um pouco, se o local da sua exibição não estivesse tão perto dos estábulos. Então a escolha seria mais fácil para as pessoas, sem falar que as exalações das estrebarias, a inquietação dos animais à noite, o transporte dos pedaços de carne crua para as feras, os rugidos durante a alimentação, o feriam e deprimiam constantemente. Mas ele não ousava comunicar aquilo à direção; pois ainda assim agradecia aos animais a multidão de visitantes, entre os quais se podia encontrar aqui e ali algum destinado a ele. Como saber em que lugar se esconderiam se ele quisesse lembrar aos outros sua existência e com isso - pensando bem - que era apenas um obstáculo no caminho aos estábulos?

De qualquer forma um pequeno obstáculo, um estorvo que se tornava cada vez menor. As pessoas acostumavam-se à estranheza de se querer chamar a atenção para um artista da fome nos tempos atuais e esse hábito lavrava a sentença contra ele. O jejuador podia jejuar tão bem quanto quisesse - e ele o fazia - mas nada mais podia salvá-lo: passavam reto por ele. Tente explicar a alguém a arte do jejum! Não se pode explicá-la para quem não a sente. Os belos cartazes ficaram sujos e ilegíveis, foram arrancados, não ocorreu a ninguém substituí-los; a pequena tabela com os números dos dias de jejum, que nos primeiros tempos era cuidadosamente renovada, continuava a mesma há muito tempo, pois após as primeiras semanas os próprios funcionários não quiseram mais se dar nem a este pequeno trabalho; assim o artista da fome continuou jejuando como um dia sonhara, e isso não apresentava nenhum grande esforço para ele, tal como havia previsto. Mas ninguém contava os dias, ninguém, nem mesmo o jejuador conhecia a extensão do seu desempenho, e seu coração ficou pesado. E quando certa vez, nesse tempo, um ocioso se deteve diante da jaula, escarneceu da velha cifra na tabela e falou de embuste, essa foi, à sua maneira, a mais estúpida mentira que a indiferença e a maldade inata puderam inventar, já que não era o artista da fome quem cometia a fraude - ele trabalhava honestamente - mas sim o mundo que o fraudava dos seus méritos.

Passaram-se ainda muitos dias e até isso chegou ao fim. Certa vez um inspetor notou a jaula e perguntou aos serventes por que deixavam sem aquela peça perfeitamente aproveitável com palha apodrecida dentro; ninguém sabia, até que um deles, com a ajuda da tabuleta, se lembrou do artista da fome. Levantaram a palha com ancinhos e encontraram nela o jejuador.

- Você continua jejuando? - perguntou o inspetor - Afinal quando vai parar?

- Peço desculpas a todos - sussurrou o artista da fome; só o inspetor, que estava com o ouvido colado às grades, o entendia.

- Sem dúvida - disse o inspetor, colocando o dedo na testa, para indicar aos funcionários, com isso, o estado mental do jejuador - Nós o perdoamos.

- Eu sempre quis que vocês admirassem meu jejum - disse o artista da fome.

- Nós admiramos - retrucou o inspetor. - Por que é que não deveríamos admirar?

- Por que eu preciso jejuar, não posso evitá-lo - disse o artista da fome.

- Bem se vê - disse o inspetor. - E por que não pode evitá-lo? - Porque eu - disse o jejuador, levantando um pouco a cabecinha e falando dentro da orelha do inspetor com lábios em ponta, como se fosse um beijo, para que nada se perdesse. - Porque eu não pude encontrar o alimento que me agrada. Se eu tivesse encontrado, pode acreditar, não teria feito nenhum alarde e me empanturrado como você e todo mundo.

Estas foram suas últimas palavras, mas nos seu olhos embaciados persistia a convicção firme, embora não mais orgulhosa, de que continuava jejuando.

- Limpem isso aqui! - disse o inspetor, e enterraram o artista da fome junto com a palha.

Mas na jaula puseram uma jovem pantera.Era um alívio sensível até para o sentido mais embotado ver aquela fera dando voltas na jaula tanto tempo vazia. Nada lhe faltava. O alimento de que gostava, os vigilantes traziam sem pensar muito; nem da liberdade ela parecia sentir falta: aquele corpo nobre, provido até estourar de tudo o que era necessário, dava a impressão de carregar consigo a própria liberdade; ela parecia estar escondida em algum lugar das suas mandíbulas. E a alegria de viver brotava da sua garganta com tamanha intensidade que para os espectadores não era fácil suportá-la. Mas eles se dominavam, apinhavam-se em torno da jaula e não queriam de modo algum sair dali.


Tradução de Modesto Carone

quinta-feira, agosto 19, 2004


Ao ritmo do nosso sangue/ A Esposa do Veneziano/ Nick Bantock Posted by Hello

A Irmã Sobrenatural

Esperei-te desde o princípio,
Desde antes da vinda do dilúvio,
Desde o mundo dos manequins e bilboquês.
Uma noite o cometa Halley apareceu
E eu pensei que tu viesses nele.
Os desertos se desdobravam ante meus olhos
Até que um enviado revelou-te a mim.

E eu dou testemunho de ti:
És bela, sábia e casta,
Um misto de colegial, de madona e de sibila.
És minha irmã escolhida
Não pela herança do sangue.
E nossas almas se abraçam harmonicamente
Sem a sucessão dos tempos.

Murilo Mendes

Tempo e Eternidade
(1935– com Jorge de Lima)

quarta-feira, agosto 18, 2004


Patas y Gato / Zom Photo Site Posted by Hello

it's yeats

Se eu me vestisse como os anjos
do sol e azuis da noite os tons
das estrelas do céu os arranjos
dos meus planos à luz da meia-luz

colocaria o mundo a teus pés
mas sou pobre e tendo só meus sonhos
quero colocá-los a teus pés
pise com cuidado, são meus sonhos


W. B. Yeats

versão brasileira: Marcos Prado e Thadeu

EU

eu
tão isósceles
você
ângulo
hipóteses
sobre meu tesão

teses
sínteses
antíteses
vê bem onde pises
pode ser meu coração


Paulo Leminski

terça-feira, agosto 17, 2004


Eu e minha almofada, marmelada Posted by Hello

Felina


Minha animada boa de veludo,
minha serpente de frouxel, estranha,
com que interesse as volições te estudo!
Com que amor minha vista te acompanha!


Tens muito de mulher, nesse teu mundo,
lírico ideal que a vida te emaranha,
pois meu ser interior vejo desnudo
se te investigo a mansuetude e a sanha


Expões, a um tempo langoroso e arisca,
sutilezas à mão que te acarinha,
garras à mão que a te magoar se arrisca


Guardas, ó tato corporificado!
A alta ternura e a cólera daninha
do meu amor que exige ser amado!


Gilka Machado

domingo, agosto 15, 2004


Panther/Photo:Judy Ben Joud Posted by Hello

GATO PRETO

Rainer Maria Rilke


Um fantasma no mínimo é um lugar
Que bate na visão com o som dum toque;
Mas aqui nessa profundidade “noire”
Mesmo o mais forte olhar se dissolve.

Quando surtada, em total loucura,
A criatura se debate no escuro delírio
Súbito acha conforto na cela dura,
Pára, e, como a rima, se evapora.

As visões que jamais a tocaram,
Parece tê-las internalizado, ocultas,
Pra poder serena supervisioná-las
E dormir com as ditas cujas.

Mas presto desperta por instinto
E volta a face direto pra sua:
E você vê sua própria visão, inesperada,
No âmbar amarelo das duas
Pedras curvas dos olhos: guardada
Como um inseto extinto.


Versão Brasileira: Ivan Justen Santana

sexta-feira, agosto 13, 2004


Tristeza/Foto de Mariano Landoni Posted by Hello

quinta-feira, agosto 12, 2004

CAI CHUVA DO CÉU CINZENTO

POEMA V


Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.

Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.

Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não.
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.


Fernando Pessoa
1930


O Véu da Pupila Posted by Hello

A PANTERA


No Jardin des Plantes, Paris




Seu olhar, de tanto passar pelas grades,
se gastou: não se prende a mais nada.
Para ela, só existem mil grades, e atrás
das mil grades o mundo todo acaba.

O ritmo macio e forte do seu movimento,
girando em círculos cada vez menores,
é uma dança de energia até um centro
onde estão paralisadas vontades enormes.

Raramente, ela descerra em silêncio
o véu da pupila - uma imagem vivaz
entra pela mansidão do corpo tenso,
mergulha no coração, e se desfaz.


Rainer Maria Rilke

Versão brasileira: Ivan Justen Santana

quarta-feira, agosto 11, 2004


Woman and Cats/Will Barnet, 1962 Posted by Hello

SONETO DE LUZ E TREVA

Ela tem uma graça de pantera
No andar bem comportado de menina.
No molejo em que vem sempre se espera
Que de repente ela lhe salte em cima.

Mas súbito renega a bela e a fera
Prende o cabelo, vai para a cozinha
E de um ovo estrelado na panela
Ela com clara e gema faz o dia.

Ela é de capricórnio, eu sou de libra
Eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
A mim me enerva o ardor com que ela vibra

E que a motiva desde de manhã.
- Como é que pode, digo-me com espanto
A luz e a treva se quererem tanto...


Vinícius de Moraes
(1971)

terça-feira, agosto 10, 2004

segunda-feira, agosto 09, 2004

1ª Vez

Curioso. Tem dias de sol, dias de chuva. Noites de lua, outras só de estrelas. Época de rosa, época de poda. O carrinho da montanha russa encara a subida, depois a depressão e aí se lança em voltas, voltas, 360º enlouquecido.

Hum. Sei. Nada de novo sob o sol.
Que nada, tudo de novo sob o sol.

Certa vez me falaram sobre a perplexidade. Que tudo mudaria se olhássemos sol lua estrela rosa e poda como se fosse a primeira vez. Hoje experimentei. Fiquei de cara. Não retive nenhum pensamento, só os observei, krishnamurtianamente falando. Senti. Muito.

Bom, viu? Tudo passa. Menos o cobrador e o motorista.
Agora vou dormir. Pela primeira vez na vida.


Zoe

com diamante, pra você Posted by Hello

AMOR BASTANTE

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante


Paulo Leminski

domingo, agosto 08, 2004


Florbela Pantera Posted by Hello

sábado, agosto 07, 2004

Pagã & Anarquista


"Sou pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser uma pantera que se preza .."


Volúpia


No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A núvem que arrastou o vento norte...
--- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...


Florbela Espanca

sexta-feira, agosto 06, 2004


Posted by Hello

NUT




Negra e inalterada
Por trás das grades
Lembro
Não era mais um olhar
Era uma idéia

Rainer Maria Rilke




Além da sombra projetada até perder-se nas árvores estendia-se o tapete da noite. O manto da pantera cobria o céuveludo, sinais de orvalho e prata no mais absoluto silêncio. Dona da Terra, andava tomando o mundo.

Eu era criança. O maciço das barras frias tocando o nariz - devo ter chegado muito perto. Um estreito fio de limo nos separava, conseguia me debruçar. Retornei várias vezes, hipnotizada. As pegadas fotografadas na retina. Não sentia medo, nenhum medo. É desnecessário acovardar-se frente a uma rainha.

Quando não ia vê-la Nut dava um jeito de aparecer. Quimera, surgia em papel-origami ou ainda negra e metálica habitando casas de vidro. Ignorava solenemente as correntes que confundiam-lhe as patas, brilhando à luz difusa do sol. Rugia, e tudo vibrava.

É quando paraliso. Se aproxima e lança em minha anca uma cabeçada amigável - meu coração pensa em sair pela boca (é uma rainha). Respiro fundo, fecho os olhos. Ela rosna em círculos, desequilibrando-me com seus carinhos de pantera. Sinto as presas no dorso da mão esquerda e estremeço. Morde e inocula um veneno suave. Mergulha sob a pele num sussurro rouco, elétrico. Agora é pequena, pequenina. Se move pelas veias, sinuosa. Nut passeia dentro de mim. Arrebenta minha pele. Acaricio o pêlo úmido como quem toca um simulacro do manto celeste. E sente choques na ponta dos dedos quando passa uma estrela.

Às vezes, vem rasgando. É maior do que minha alma e se projeta com violência na parede exigindo comida. Está nervosa. Ameaça-me com o pó negro da morte, abisma precipícios, ruge assombrosamente. Se não há alimento, eletrifica o sangue em feixes de dores moventes e lágrimas. Dócil, danço para a deusa, como faziam as sacerdotisas da Lua e Plutão.

Se desaparece por muito tempo fico atenta. Ou está muito perto ou muito longe. Saudosa, deito fumaças no espelho de obsidiana e estendo a pele de lebre branca aos seus pés. Deposito suas relíquias e me demoro em pensar-lhe o rastro em transe.

Numa noite de chuva Nut voltou. Deitou-se cansada ao meu lado. Contou-me de suas andanças, das caçadas, o mundo canino lá fora. Queria alento e companhia. Perguntei-lhe sobre seu coração e ela rosnou sonolenta, aninhando-se no meu colo. Os batimentos, o peso da pata sobre o meu ombro, as vibrissas. Acaricio seus flancos e observo minha pantera dormindo. Seu perfume é doce. Algo mudou, os movimentos prenhes de filhotes. Calo meus pensamentos. E os vejo habitando o quarto, derrubando o vaso de rosas, a cortina azul arranhada. Crianças.

Naquela manhã, Nut não estava mais. Nut nunca mais voltou. Por algum motivo que desconheço a lembrança não me desola. Reconheço seu perfume quando meu corpo vibra, reconheço suas patas ao correr apressada, reconheço os dentes e as cicatrizes. Farejo vítimas com facilidade. Se me aborreço, ela salta-me aos olhos e agita meus músculos, esticando a espinha dorsal.

Então, volto a dançar.


Zoe de Camaris

terça-feira, agosto 03, 2004


A Rainha de Java, La panthère noire
 Posted by Hello

A PANTERA NEGRA

Uma luz cor de rosa se espalha pelo espaço;
O horizonte brilha a Leste ao se delinear;
E o colar noturno, desmanchando seu laço,
Cai junto com as pérolas no mar.

Metade do céu se veste de flamas fracas
Que ele afivela em seu auge ofuscante e azul.
Uma face avermelha o esmeralda das facas
Da chuva de chamas que vem do Sul.

Bambus despertos onde o vento bate as asas,
Caneleiras e frutas roxas de lichi
Atiçam as gotas de orvalho feito brasas,
Compondo um rumor fresco aqui e ali.

E os montes e os bosques, os arbustos e as flores,
Súbito dilatados no ar quente e sutil,
Desabrocham numa onda de doces odores,
Cheios de volúpia forte e febril.

Por caminhos perdidos nas virgens florestas
Onde a erva grossa fumega ao sol da manhã;
Por rios vive na armadilha das encostas,
Debaixo de arcos verdes de ratã;

A rainha de Java, a negra caçadora,
Com a aurora, volta ao covil onde a ninhada
Entre ossos brilhantes miava de desespero,
Umas sobre outras, todas enroladas.

Inquieta, olhos agudos como os das flechas,
Ela ondula, espiando uma sombra carregada.
Algumas manchas de sangue, esparsas, frescas,
Tingem a pelugem aveludada.

Ela arrastou consigo um resto de sua caça,
Um quarto dum cervo que de noite comeu;
E sobre o arbusto em flor a horripilante marca
Vermelha, ainda quente, que a seguiu.

Em volta, as borboletas e as fulvas abelhas
Roçam de inveja seu dorso macio com vôo;
As folhagens alegres, em suas mil corbelhas;
Sobre seus passos perfumam o solo.

A píton, do abrigo dum cactus escarlate,
Desenrola-se e, curiosa testemunha,
Por debaixo de arbustos soerguendo a cabeça,
A vê passar a distância segura.

Sob a samambaia ela desliza em silêncio,
Entre os troncos se embrenha e some de visão.
Os ruídos cessam, o ar ferve, e o clarão denso
Entorpece a floresta, o céu e o chão.


Leconte de Lisle


Versão brasileira : Ivan Justen Santana


...I'll see you in Metropolis (Selina) Posted by Hello

SEMELHANÇA

I

Vivia dizendo que eu parecia uma pantera.
Que o andar, que os olhos. Eu
deitava a cabeça no seu colo e miava baixinho.


II

Vivia dizendo que eu parecia uma pantera.
Que o andar, que os olhos.
E eu me apanterava toda para agradá-lo.


III

Vavia dizendo. Mas só acreditei no dia
em que, saltando do armário,
cravei-lhe os dentes na carne e o devorei.


Marina Colasanti
"Zooilógico"

domingo, agosto 01, 2004