segunda-feira, agosto 28, 2006

daqui pra acolá


Ide, caminhantes!
Fora, passantes!

Levem o milho para o deus, enquanto me divirto com as pipocas!

- Simples assim: quando o dragão está de olhos fechados, é porque ele está acordado. O contrário nem sempre é verdadeiro. E existem controvérsias. É que os deuses, quando não tem o que fazer, assistem Sex and City. Preciso colocar a mesma música pra tocar? Quantas diversas vezes? Cada um lerá o que lhe interessar. Divirta-se. Crie-se, ó engraçado! Tome consigo seu melhor vestido.

Quer pipoca?

.............................

Já Passou


Já passou, já passou
Se você quer saber
Eu já sarei, já curou
Me pegou de mal jeito
Mas não foi nada, estancou

Já passou, já passou
Se isso lhe dá prazer
Me machuquei, sim, supurou
Mas afaguei meu peito
E aliviou
Já falei, já passou

Faz-me rir
Ha ha ha
Você
saracoteando
Daqui pra acolá
Na Barra, na farra
No forró forrado
Na Praça Mauá, sei lá
No Jardim de Alah
Ou num clube de samba

Faz-me rir, faz-me engasgar
Me deixa catatônico
Com a perna bamba

Mas já passou, já passou
Recolha o seu sorriso
Meu amor, sua flor
Nem gaste o seu perfume
Por favor
Que esse filme
Já passou

Chico Buarque

sábado, agosto 26, 2006



Aos raios-violeta dos seus olhos,
uma tábula ultra imperfeita


ESTRELA NEGRA I

Nem tudo que acontece no céu espelha-se na terra;

ESTRELA NEGRA II

um diamante (1+34 zeros!) há 50 anos-luz é contido num porta-jóia
do tamanho do Sol;

ESTRELA NEGRA III

Vi num telescópio no Havaí. Abdell 2218 desviou e amplificou suas luzes em minhas lentes gravitacionais;

ESTRELA NEGRA IV

Só uma esmeralda pura viceja sem jardins - quente seca fria úmida.
Paisagens possíveis, deus do fogo. Folgo em sabê-lo;


ESTRELA NEGRA V

Saúdo à beleza. A existência de duas imagens indica fenômeno em órbita. Spin dois.
Marcho abstrata. O mês é Março.



Zoe de Camaris
2004



terça-feira, agosto 22, 2006



SEGREDO

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, agosto 20, 2006




Punk Musa

Isso que nós somos são amores ?
Me pergunto ao te ver emputecida
Masoquista insensível a tantas dores
Cutucando com prazer nossa ferida

Alquimista de socos beijos e licores
Mexe o caldeirão doida druida
Esquisita sem tirares nem pores
Dispensa gregos e moicanos distraída

E contrata muitos outros de quaisquer cores
Só pra judiar, minha querida ?
Sinistra magnética hipnóticos horrores
Surge tão bem-vinda e me escapa ainda mais linda

Sérgio Viralobos e Marcos Prado
15 de agosto de 2006




Chutado dos Malocabillies, na cara dura, aproveitando ainda o texto do Sérgio:

O poema Punk Musa, postado neste blog, foi feito nesta semana, tomando por base as orientações que Marcos passou pra mim na carta abaixo, de algum dia de 1984:

sérgio,

o ferreira me pediu uma letra onde a musa fosse uma punk, pra uma canção de amor que ele fez. a música é genial. vou te mandar frases esparsas. se tiver saco, monte, inclua outras, mexa o caldeirão, o diabo:
alquimista de socos beijos e licores (rimando com violenta sem tirares nem pores)
dispensa gregos e moicanos distraída
sinistra
magnética
hipnótica
invisível
a que surge, desaparece, dá e desce
moderna
não muito sensível
de quem você foge e sempre te persegue, mas que na hora h sai fora.
a que você não sabe onde mora e não te namora.
quem você adora e não te adora.
a que virar uma rua, sempre é a quinta avenida, mesmo que vire XV ruas.

a idéia é fazer uma letra bem romântica mesmo para uma anti-musa violenta, uma canalha sem coração, uma pária sem par. não sei se dá pra aproveitar muita coisa disso aí em cima, mas o clima já deu pra você sentir, né ?
você tem dinheiro pra sê-lo. não demore. escreva. ana também.

marcos prado

sábado, agosto 19, 2006




Que este amor não me cegue nem me siga


Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.


Hilda Hilst




Não tens que me amar


Não tens que me amar
Só pelo facto de seres todas as mulheres
Que sempre desejei
Nasci para te seguir
todas as noites
enquanto for
os muitos homens que te amam

Estás sentada à mesa
Tomo o teu pulso entre as minhas mãos
num táxi solene
e acordo só
a minha mão na tua ausência
num dormitório de uma casa de correcção

Escrevi todas estas canções para ti
queimei círios vermelhos e negros
com formas de homens e mulheres
Casei-me com o fumo
de duas pirâmides de sândalo
Rezei por ti
Rezei para que me amasses
e para que não me amasses


Leonard Cohen
p.s.: aí ao lado, no player, um poema de Leornard Conhen, " A Thousand Kisses Deep". Os leitores que me perdoem, por ora, a falta de créditos quando insiro uma música ou poema em áudio. Ainda não sei como fazer, mas já aprendo.

The Three Fates


As parcas


Mais um verão, mais um outono, ó Parcas,
Para amadurecimento do meu canto
Peço me concedais.
Então saciado do doce jogo, o coração me morra.

Não sossegará no Orco a alma que em vida
Não teve a sua parte de divino.
Mas se em meu coração acontecesse
O sagrado, o que importa, o poema, um dia:

Teu silêncio entrarei, mundo das sombras,
Contente, ainda que as notas do meu canto
Não me acompanhem, que uma vez ao menos
Como os deuses vivi, nem mais desejo.


Holderlin
tradução de Manuel Bandeira

quinta-feira, agosto 17, 2006

Xul Solar "With Lasers"


Jefa Honra / Xul Solar


En un Hades fluido...

Es un Hades fluido, casi vapor, sin cielo, sin suelo, rufo, color en ojos cerrados so el sol ,
agitado en endotempestá, vórtices, ondas y hervor . En sus grumos i espumas dismultit ú
ornes flotan pasivue, disdestellan, hai también solos, mayores, péjoides, i perluzen suavue .
Se transpenvén fantasmue las casas i gente i suelo de una ciudá sólida terri, sin ningu n
rapor con este Hades, qes aora ló real .
Toda esta región rufa densa se montona redor gran hueco ho valle sin fondo, de aire azu l
gris, do floto en vientos oscuros, con polvareda gente, i otros ornes solos ávoides i glóboides .
Aqí se flota más upa . I siga fantasmue la ciudá sólida yu i su pópulo .
Paso luego a mejor vida, gris plata . Yi qierflotan flojue muchos grupos, procesionan o
pensan reúnidos. Yi bogan nubes con qioscos grises -de nácar, metal, fieltro -con pénsores
circunsiéntados .
Lentue me hallo en cielo leve ciéleste . Su ánimo es de tarde verani, niebli .
Plantas de a un zigzag se biomuevan i canturrian . Xu color qiervaría de granate a róseo .
Están sobrs loma floti del mismo aire mas denso, soesfúminse . Yi yuxtavuelan pájaros com o
huevos pintos, no con alas, sino con muchas cintas .
Otrur hai muchas columnas color, sin suelo, qe sostienen nube techo : es templo floti e n
qe oran muchos. Cuando se teocoexaltan se hinchan, xus auras irradian vita, talue qe alza n
la nube techo i circunseparan las columnas, i todo se ferviagranda i sanluze.
Otrur hai obelisco ancho ho torre, bambolea por su base flotifloja . Su primer piso, d e
iibros piedra, encima libros barro, encima libros leña, encima libros rollo, la cima libros .
Casi como torre naipes, erizada de cintas papel i banderolas, perivuélada de letrienjambre s
moscue, yuxtarodeada de qizás mangente vaga estudi . En el poco suelo floti sueñan muchos,
yi mérgidos .
Floto voi allén lejos . Hónduer en niebla plurcambicolor veo ciudá . Sas biopalacios i
biochozas, de armazón i pienso . Se pertransforman, se agrandan o achican ; ya son de poste s
i cimbras i cúpulas, ya de muros lisos en parches fosfi, ya pululan en biocúmulos, ya tembleqean
de andamios seudocristal . Se desplazan, suben, se hunden, se interpenetran, se separa n
i reídem .
Casas hai qe arden, flamean upa, pero no se destruyen, se ñe construyen más . Xu fuego esvita,
i a mayor incendio, más palacio senancha i crece . Casas hai qe contagian incendian a la s
vecinas qe ídem ídem, i así sextiendan los barrios . Xu yi gente también, coflamea i s e
coabulta : debe ser ella la causa fuegui, por pensiardor .
Casas hai qe fervihiervan hasta qe revientan como bomba ho geiser o humo ; pero no se ñ e
destruyen, se circunreconstruyen ; xas trozos fervicrecen en sucursales lejos qe alfín se
crecijuntan, dismontón torre mahimás, sobre circumbaldío menoimenos.
Casas hai qe suicrecen en todo séntido, sesgüe, horizue, yuso, upa, gordue ; i zumban ,
chirrian, crujen, disparlan .
Casas hai que se atrofian i encojen hasta no verse más, cuando xa gente muertinace a
mejor vida en mejor cielo .
Casas hai de ilusión sobre cerros humo : se cambipierden .
Entonces abarco el suelo desa ciudad, el qes una sûnnube, qes varios titanes vagos floti -
acuéstados .
Grandes mangas o tubos ñe circunsalgan a lô vacuo: serían cloacas o chúpores, no sé .
I so esa ciudá hai otra ciudá'l revés, hosca, oscura i lenta qe vive i crece yuso, i sa gent e
también . El nadir es hondo, hosco, oscuro, brúmoso : qizás el manmundo, algún gran yermo .
Reveo la otra ciudá upa . Columnatas como cienpiés viajan a distrancos . Son discípulo s
tiesos, llevan maestros cúpulas, de rópaje ancho techue . A tumbos sobre chusma cieli suifeliz,
qierrevuelta en bruma i cuágulos i bocetos de pienso : gelatina menti . Van a lejos, a lô vacuo .
Veo hai algunas mui moles pagodas de solos iibros, qe se incuerpan a xus tantos léctores
-qe no leen, masbién vitichupan ciencia i sofia .
Sexpandan, ondulan voceríos de todas las linguas i de muchas otras pósibles . I xas enjambres
letras, i marañas glifos, i disfonéticas i copluracentos, corno muchos qierhumos, s e
apartan o juntan, se contramueven o aqietan, en orden o no, forman, reforman séntid o
argu siempre neo.
Estrellas, sólcitos, lunas, lúnulas, luciérnagas, linternas, luces, lustres ; doqier se vidienredan
a la ciudá se constelan i disconstelan, se qeman, se apagan, cholucen, llueven, vuelan .
Es un perflujo i reflujo de brisa i flúido i ráfaga i sones i humos olor ; la luz percambia ,
en lampos color, calor, claroscuros, en ánimo.
Yo ya veicánsado me aturdo i olvido, disveo .
Todo palidece, i se borra . Ya parece qentro a mayor cielo qes otra noche, qes luego má s
noche, qes más, teonoche honda sólida negra . qe mantemo i mistiamo ; yo me yi exdisolverío.
Pero algo vago inmenso se interpone'ntre mî i lô teonoche ; como gas plurcolor . Se define
más, i es un mandivo indefinido, cielidiámetro . Su testa tras mî, sus piés ante mî, en e l
contrahorizonte, i sus manos sobre m r, ganchipuntitóqinse, son oranje ; su rópaje, cambicolor
indeciso en parches .
Sobre su testa florece aora flor luz blanca . Su cuore punzó irradia luz rósea, su pudend a
granate's sólodeluz .
Sento como qentro al mandivo, qe me yi arrobo .
Pero ya la llámada desta Terra desde yu me oprime'l pecho cuerpi ; i vuelvo a mî mui
perpenue .

(Publicado en la revista Imán, París, 1931)
Xul Solar

# Comunidade no Orkut dedicada à obra de Xul Solar #
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=232459

quarta-feira, agosto 16, 2006


Igor Skalican/Ciúme

ENSAIO DE CIÚME


Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? — basta um impulso
no remo — com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,

vira ilha flutuante (no céu,
— na água, não!).

Alma e alma,
irmãs, sim — mas, amantes, não!
Uma é destino; outra — sem fim!


Que tal viver com tal pessoa
comum — vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou — e a coroa


de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade — como? Menos rica?


“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!.” Mas... e a vida
só — com uma mulher qualquer —
Você — eleito de uma eleita?


Ah... e a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
Depois do topo do Sinai,
ir conviver com uma à-toa


da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?


Viver com uma boneca de gesso
— de feira!? Você me acha cara?
Depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?


(O deus que eu escavei de um bloco
só me deixou os ocos.) Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?


Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória,
que só possui cinco sentidos?

Enfim, por fim... você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?


Marina Tsvietáieva (1892/1941)
Tradução de Décio Pignatari

segunda-feira, agosto 14, 2006

Justen na Cabeça




Amanhã, dia de Marte, hora de Mercúrio, no Porão Loquax (Wonka, Rua Trajano Reis, 362), a Eloqüência "Juvenil" (entre aspas porque discordo) do poeta Ivan Justen Santana.

Ivan é um cara ímpar, sempre só. Sempre bem acompanhado. Uma figura rápida e calada, que não perde tempo com bobagens, comentários previsíveis sobre a vida. Tem cara de tigre e é um gato. Sua sacada (felina) é pontual, seja nos poemas de própria lavra, seja nas recriações-traduções. Ataca e não deixa restos. É um dos melhores poetas da nova geração. E já que Ivanzinho vai dar o que falar, se eu fosse você não perdia o momento histórico. Chegue antes da 23h. Mais informações, no blog Relaxando Furiosamente.


Zoe
p.s.: Foto roubada do Íntima Loucura. Grata pelo empréstimo, Priscila.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Um Poema do Ivan:


a dor que agora dói ne mim
a dor que agora dói ne mim
não é qualquer dorzinha assim

a dor que agora dói ne mim
não é qualquer riminhazinha que dá fim

a dor que agora dói ne mim
não dá pra te explicar timtim por timtim

a dor que agora dói ne mim
não some nem com pó de pirlimpimpim

a dor que agora dói ne mim
não é por te saber tão perto e longe enfim

não é por tantos nãos e im
perfeições que escrevo aqui

talvez então seja porque
eu hoje não ouvi

não compreendi
pedi pra você repetir

sentindo a dor que agora dói ne mim
na palavrinha que você me disse sim


Ivan Justen Santana

domingo, agosto 13, 2006

À Rita




A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
E o que me é de direito
Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato, seu trapo, seu prato
Que papel!
Uma imagem de são Francisco
E um bom disco de Noel

A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meus pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão


Chico Buarque
1965


..........................................

A última vez que encontrei Rita Pavão foi na esquina da Senador Alencar Guimarães com a Emiliano Perneta. Estávamos as duas com pressa, mas conversamos um pouco. Gostei muito de reencontrar a fera. Fiz jazz com ela durante um tempo - não era bolinho. Uma professora exigente que, um dia, me disse: - "Escuta, pára de tentar gravar a coreografia com a cabeça. O corpo tem memória, deixa ela funcionar". Como um passe de mágica, funcionou.
Ontem, uma amiga chegou aqui em casa e me contou que Rita se foi. Procuramos até cansar no Google alguma nótícia mas o Paraná Online me sacaneou. Sem chance. Tinha visto uma foto dela há dois dias no blog do Solda e pensei comigo: - olha aí a Rita. Mal sabia que era uma homenagem do cartunista à bailarina.
Bem, Rita encerrou seus assuntos no dia primeiro de agosto de 2006, dando início ao mês do cachorro louco. E com certeza levou consigo o sorriso de muita gente.

Zoe

quinta-feira, agosto 10, 2006

TAPA NA PANTERA



Visitando meus links "amigos", achei um vídeo genial na página POESILHA do Marcelo Sahea. Imperdível, o tapa na pantera.
Recomendo que vocês acionem o play, abaixem o som, e depois de um tempinho retornem. Demora pra carregar mas vale a pena. E depois aumentem o som, é óbvio...
besos,
Zoe

segunda-feira, agosto 07, 2006



Árvore adentro


Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
_________________Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
________________Aproxima-te. Ouves?


Octavio Paz
Tradução de Antônio Moura

sábado, agosto 05, 2006


ESCRITO COM TINTA VERDE


A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, colo, seios,
fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.

Teu corpo se constela de signos verdes,
renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.


Octavio Paz
Libertad bajo palabra
Tradução de Haroldo de Campos


:: Poison Ivy, ou Hera Venenosa: Uma botânica bastante promissora, a jovem Pamela Isley acabou se envolvendo sem querer na vida criminosa. Durante um roubo, foi traída e envenenada por seu companheiro. Mas o veneno - extraído de substâncias tiradas de plantas - se uniu ao seu organismo e desenvolveu imunidade a qualquer veneno. Em compensação, ela acabou enlouquecendo e deixando levar-se por uma vida criminosa como Hera Venenosa. Ao passar dos anos, criou uma ligação com as plantas e conseguiu produzir monstros a partir delas. Ultimamente age mais como aliada (por interesses dela), mas Batman sempre tem um pé atrás com a vilã.
TRANSBLANCO
(terceiro fragmento)



no muro a sombra do fogo_______chama rodeada de leões
no fogo tua e minha sombras_____leoa no círculo das chamas
_____________________________alma animando sensações

o fogo te ata e desata
Pão Graal Áscua_____________frutos de fogos-de-bengala
_____________Mulher________os sentidos se exabrem
teu riso — nua_______________na noite magnética
entre os jardins da chama
___________Paixão de brasa compassiva



Octavio Paz
Blanco, 1966
Translatio


a chamada nébula Caranguejo
uma costelação de reversos
na desgaláxia dos buracos negros

ou a órbita excêntrica de Plutão
meditada em Austin Texas
num party em lavaca Street

tomei mescalina de mim mesmo
e passei esta noite em claro
traduzindo "Blanco" de Octavio Paz


Haroldo de Campos, 1981

..............

Ainda me supreendem algumas"coincidências". Depois de postar os poemas cancerianos numa lan house em São Paulo, volto para Curitiba e me cai no colo o livro Transblanco de Octavio Paz, transcriado por Haroldo de Campos. O trecho acima é escrito por Haroldo em missiva para o poeta mexicano, que responde o seguinte:

"Recebi seu breve poema, escrito depois de ter traduzido "Blanco" sob a antiluz da nebulosa de Câncer, na órbita excêntrica de Plutão, iluminado pela única mescalina que nos faz transpassar o buraco negro da antigaláxia: a mescalina que produz o cérebro do poeta numa noite de insônia e criação. Um dia se descobrirá que, assim como há cores com luz própria que iluminam a escuridão interplanetária sem necessidade de sóis e estrelas - conforme acreditavam Bruno e Duchamp -, também há escrituras que brilham em plena noite (...)"
Se Achante


Era um caranguejo muito se achante.
Ele se achava idôneo para flor.
Passava por nossa casa
Sem nem olhar de lado.
Parece que estava montado num coche
de princesa.
Ia bem devagar
Conforme o protocolo
A fim de receber aplausos.
Muito se achante demais.
Nem parou para comer goiaba.
(Acho que quem anda de coche não come
goiaba.)
Ia como se fosse tomar posse de deputado.
Mas o coche quebrou
E o caranguejo voltou a ser idôneo para
Mangue.

Manoel de Barros
p.s.: isso é que é um canceriano com ascendente em Leão, bom não esquecer. E viva o retorno ao mangue, ou melhor, à velha e doce Curitiba de Todos os Pântanos.