terça-feira, maio 31, 2005

L'Union Libre
André Breton


Magritte / Les Profondeurs du Plaisir


Ma femme à la chevelure de feu de bois

Aux pensées d'éclairs de chaleur

A la taille de sablier

Ma femme à la taille de loutre entre les dents du tigre

Ma femme à la bouche de cocarde et de bouquet d'étoiles de

dernière grandeur

Aux dents d'empreintes de souris blanche sur la terre blanche

A la langue d'ambre et de verre frottés

Ma femme à la langue d'hostie poignardée

A la langue de poupée qui ouvre et ferme les yeux

A la langue de pierre incroyable

Ma femme aux cils de bâtons d'écriture d'enfant

Aux sourcils de bord de nid d'hirondelle

Ma femme aux tempes d'ardoise de toit de serre

Et de buée aux vitres

Ma femme aux épaules de champagne

Et de fontaine à têtes de dauphins sous la glace

Ma femme aux poignets d'allumettes

Ma femme aux doigts de hasard et d'as de coeur

Aux doigts de foin coupé

Ma femme aux aisselles de martre et de fênes

De nuit de la Saint-Jean

De troène et de nid de scalares

Aux bras d'écume de mer et d'écluse

Et de mélange du blé et du moulin

Ma femme aux jambes de fusée

Aux mouvements d'horlogerie et de désespoir

Ma femme aux mollets de moelle de sureau

Ma femme aux pieds d'initiales

Aux pieds de trousseaux de clés aux pieds de calfats qui boivent

Ma femme au cou d'orge imperlé

Ma femme à la gorge de Val d'or

De rendez-vous dans le lit même du torrent

Aux seins de nuit

Ma femme aux seins de taupinière marine

Ma femme aux seins de creuset du rubis

Aux seins de spectre de la rose sous la rosée

Ma femme au ventre de dépliement d'éventail des jours

Au ventre de griffe géante

Ma femme au dos d'oiseau qui fuit vertical

Au dos de vif-argent

Au dos de lumière

A la nuque de pierre roulée et de craie mouillée

Et de chute d'un verre dans lequel on vient de boire

Ma femme aux hanches de nacelle

Aux hanches de lustre et de pennes de flèche

Et de tiges de plumes de paon blanc

De balance insensible

Ma femme aux fesses de grès et d'amiante

Ma femme aux fesses de dos de cygne

Ma femme aux fesses de printemps

Au sexe de glaïeul

Ma femme au sexe de placer et d'ornithorynque

Ma femme au sexe d'algue et de bonbons anciens

Ma femme au sexe de miroir

Ma femme aux yeux pleins de larmes

Aux yeux de panoplie violette et d'aiguille aimantée

Ma femme aux yeux de savane

Ma femme aux yeux d'eau pour boire en prison

Ma femme aux yeux de bois toujours sous la hache

Aux yeux de niveau d'eau de niveau d'air de terre et de feu



Clair de terre, 1931
BOMBONS


Armonia/Alejandro Puga

Meu primeiro contato com o Surrealismo se deu pelo caminho mais óbvio: as telas de Salvador Dali, os relógios moles, o dorso nu de Gala e suas inúmeras malas. As Confissões Inconfessáveis. Luis Buñel na Cinemateca, Un Chien Andalou. Mais Buñel, sempre Buñuel. Em Ouro Preto, edição da Tipografia do Fundo, uma pequena coletânea de poemas traduzidos. Robert Desnos, o dorminhoco genial. Benjamim Peret e o Amor Sublime. E, claro, André Breton. Leituras desencontradas, pedaços de música pairando na pedra. O Tarot de Marselha no Surrealismo. Ué, poetas consagrados levam em conta sistemas divinatórios? A turma toda se reúne para bolar um Jogo de Tarot? Enquanto isso, na Universidade, os bambambans torcem o narizinho empinado quando uma aluna mais louquinha resolve estudar o barroco mineiro identificando símbolos e alegorias tarológicas nas igrejas. Na academia das letras (abecedê) nunca leram Italo Calvino. Bem, lá se vão os tempos em que estas coisas realmente me irritavam. Hoje, sorrio com descaso quando converso com alguns partidários do cientificismo besta. Outro exemplo de grassa ignorância, é quando gentilmente postava um ou outro poema numa lista destinada a discutir ocultismo e algum bruxo de esquina me vinha com a pertinente observação: - Ô Zoe de Camaris, isso aqui é lista de magia !! Das primeiras vezes, até respondia. Hoje, já nem posto. Pérolas aos poucos, já dizia Marcos Prado. Então, por essas e outras, aproveitando que meu blog depois de quase um ano conquistou alguns leitores, vamos ao que interessa. Os poemas.

Coloquei um arquivo sonoro com a voz de Breton recitando L'Union Libre, poema de 1930, em que a Deusa comparece mais bem vestida que nas visões de Apuleio. A tradução vem a seguir, assim que eu e uma boa turma de amigos dedicados (você está convidado) conseguirmos chegar a uma primeira solução.

Zoe

domingo, maio 29, 2005

PERSEU


Bernard Collet / Meduse


O Triunfo da Argúcia Sobre o Sofrimento
Sivia Plath


Apenas a cabeça mostra você no prodigioso ato
De digerir o que apenas séculos digerem:
O mamute, claudicante estatuária de tristeza,
Indissolúvel o bastante para enigmar as entranhas
De uma baleia com buracos e buracos, e sangrá-la branca
Nos mares salgados. Hércules não teve problemas,
Lavando aqueles estábulos: lágrimas de um bebê o fariam.
Mas quem voluntar-se-ia para engolir o Laocoonte,
O Cárcere Mortal e aquelas inumeráveis pietás
Ulcerando as paredes sombrias de capelas da Europa,
Museus e sepulcros?
Você.
Você
Que emprestou penas a seus pés, não chumbo,
Não pregos, e um espelho para manter a cabeça ofídia
Em perspectiva segura, podia encarar a careta-górgone
Da agonia humana: um olhar para amortecidos
Membros: não um piscar-basilisco, não um duplo nham,
Mas todos os acumulados últimos grunhidos, gemidos,
Gritos e dísticos heróicos concluindo as milhões
De tragédias encenadas nestes tablados sanguencharcados,
E cada aflição privada, uma serpente sibilante
Para petrificar seus olhos, e cada catástrofe
Municipal, uma extensão convulsa de cobra,
E o declínio de impérios a grossa casca de uma vasta
Anaconda.
Imagine: o mundo
Socado a uma cabeça de feto, barrancado, cosido
Com sofrimento desde a concepção para cima, e aqui
Está ele à mão. Saibro no olho ou um dedão
Machucado fazem qualquer um se encolher, mas o globo todo
Expressivo de pesar torna deuses, como reis, em rochas.
Aquelas rochas, rachadas e gastas, por si mesmas então vão
Se estremunhando e estendem o desespero na face
Escura da terra.
Assim o rigor mortis viria a endurecer
Toda criação, não fosse uma barriga maior
Ainda que engole a alegria.
Você entra agora,
Armado com penas tanto para cócegas quanto vôos,
E um espelho de parque de diversões que transforma a musa trágica
Na cabeça decapitada de uma boneca soturna, uma trança,
Uma serpente enlameada, pendurando-se débil como a absurda boca
Pendura-se em seu lúgubre amuo. Onde estão
Os clássicos membros da teimosa Antígone?
Os robes vermelhos reais de Fedra? As lagrimalumbradas
Tristezas da gentil duquesa de Malfi?
Idas
Na convulsão profunda segurando sua face, músculos
E tendões enfeixados, vitoriosos, como a cósmica
Risada acaba com as incosturáveis, pestilentas feridas
De um eterno sofredor.
Para você
Perseu, a palma, e possa você sopesar
E contrapesar até o tempo parar, a celestial balança
Que pesa nossa loucura com nossa sanidade.



Espelho português: Ivan (Perseu) Justen Santana

segunda-feira, maio 23, 2005

AZUL é a ROSA



blaue rose


"El Surrealismo es - rayo invisible- que algún día nos permitirá superar a nuestros adversarios. -Deja ya de temblar, cuerpo. - Este verano, las rosas son azules; el bosque de cristal. La tierra envuelta en el verdor me causa tan poca impresión como un fantasma. Vivir y dejar vivir son soluciones imaginarias. La existencia está en otra parte."

Andre Breton
Manifiesto del Surrealismo

quarta-feira, maio 11, 2005

Sobre Olhar Dentro Dos Olhos De Um Amante Demônio


farol para Cougar


Eis duas pupilas
cujas luas negras
aleijam quem arrisca
olhar pra elas:

cada bela dama
que as perscruta
assume a forma
de um sapo.

Dentro desses espelhos
o mundo se inverte:
dos admiradores
os dardos ardentes

voltam pra machucar
a mão arremessadora
e inflamar com perigo
a ferida escarlate.

Busquei minha imagem
no espelho cáustico,
que fogo faria estrago
numa face bruxesca?

Então encarei aquela fornalha
onde as belezas queimam
mas achei Vênus radiante
refletida lá dentro.


Sylvia Plath

Refletida por Ivan Justen Santana

.........

On Looking Into The Eyes Of A Demon Lover


Catty by Immuno


Here are two pupils
whose moons of black
transform to cripples
all who look:

each lovely lady
who peers inside
take on the body
of a toad.

Within these mirrors
the world inverts:
the fond admirer's
burning darts

turn back to injure
the thrusting hand
and inflame to danger
the scarlet wound.

I sought my image
in the scorching glass,
for what fire could damage
a witch's face?

So I stared in that furnace
where beauties char
but found radiant Venus
reflected there.


Sylvia Plath

quarta-feira, maio 04, 2005

Uma Xícara de Chá? Café Preto sem Açúcar?


fur covered breakfast / meret oppenheim



CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK
T.S. Eliot



S'io credesse che mia risposta fosse
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.

Dante Alighieri. La divina Commédia
Inferno, XXVII, 61-66



Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão . . .
Oh, não perguntes: "Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haverá
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.
E na verdade tempo haverá
Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?"
Tempo para voltar e descer os degraus,
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!")
- Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas! ")
- Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.

Pois já conheci a todos, a todos conheci
- Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherinhas de café;
Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono
Sob a música de um quarto longínquo.
Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci
- Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete,
Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede,
Como então começaria eu a cuspir
Todo o bagaço de meus dias e caminhos?
E como iria atrever-me?

E já conheci também os braços, a todos conheci
- Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
(Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam
Com sua leve penugem castanha!)
Será o perfume de um vestido
Que me faz divagar tanto?
Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam.
E ainda assim me atreveria?
E como o iniciaria?

.......

Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos
De homens solitários em mangas de camisa, à janela
debruçados?

Eu teria sido um par de espedaçadas garras
A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.

.......

E a tarde e o crepúsculo tão docemente adormecem!
Por longos dedos acariciados,
Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.
Após o chá, os biscoitos, os sorvetes,
Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa travessa,
Não sou profeta - mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas, a geléia, o chá,
Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
Teria valido a pena
Cortar o assunto com um sorriso,
Comprimir todo o universo numa bola
E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei."
- Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer
Não é nada disso, em absoluto."

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
- Tudo isso, e tanto mais ainda? -
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos . . .
Teria valido a pena,
Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em direção à janela, dissesse:
"Não é absolutamente isso,
Não é isso o que quis dizer, em absoluto."

Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde assistente, o que tudo fará
Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso;
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato, quase ridículo
Quase o Idiota, às vezes.

Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.

Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

Não creio que um dia elas cantem para mim.

Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.

Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.


tradução de Ivan Junqueira

terça-feira, maio 03, 2005


Oleg Zhivetin


Faz sol, faz frio. Curitiba está em casa. Perfeito para flores azuis. E elas nascem nos cantinhos - os miosótis selvagens da Morgye - brotando do cimento. Não há nada que encante tanto como a força bruta das raízes rompendo a pedra, o azul vibrante que quase cega contrapondo-se à delicadeza de uma flor mínima.

Cansei de sonhar com o impossível, tinha me casado com aquilo que não atingia. E um dia desses, vi a tal flor, magnética, olhando pra mim lá de cima. Resolvi colocar um ponto na sua frente. Um ponto final. E como se eu tivesse uma varinha mágica, ela veio até mim, em linha reta. Agora, tenho a flor azul nas mãos. De duas uma: ou se desfolha ou fica vermelha.

Até porque, depois que os japoneses inventaram a rosa azul, tudo é possível.

Zoe
p.s.: aproveitando o presente, Flowers for me.
Flowers for you.

little blue flower / von gunnar braun-2004




nada azul é comestível

vento entre pétalas hostis

a palavra e a diferença

liras intácteis, entretanto, azuis

minúscula flor erecta

brusca incólume pétala



zdc/2000


FORGET-ME-NOT



se é azul o céu claro

vive o miosótis

uma semana no jarro


zdc/98