quinta-feira, março 31, 2005



o vento espalha paisagens no ventre

que sol firme
fere
a lua que mingua na língua macia ?

a seta de apolo me transpassa
e atinge um olho d’água
que explode do centro da terra

o ventre espelha paisagens ao vento



Zoe,
98

sábado, março 26, 2005

Medusa de Fogo




A simples bulha surda
Do meu coração batendo
Poderá te acordar.
Mesmo a penugem da lua
Que cai sobre o ombro nu
Das árvores, tão de leve,
Poderá te acordar.
A simples caída da bolha
D'água sobre a folha,
Por ser fria como a neve,
Poderá te acordar.
Só porque a rosa lembra
Um grito vermelho,
Retiro-a de diante do espelho
Porque - de tão rubra -
Poderá te acordar.

E se nasce a manhã
Calço-lhe logo pés de lã,
Porque ela, com seus pássaros,
Poderá te acordar.
Mesmo o meu maior silêncio,
O meu mudo pé-ante-pé,
De tão mudo que é,
Não irá te acordar?

Ó medusa de fogo,
Conserva-te dormida.
Com o teu fogo ruivo e meu,
Qual monstruosa ferida.
Como data esquecida.
Como aranha escondida
Num ângulo da parede.
Como rima água-marinha
Que morreu de sede.

E eu serei tão breve
Que, um dia, deixarei
Também, até de respirar,
Para não te acordar.
Ó medusa de fogo,
Dormida sob a neve!


Cassiano Ricardo

sexta-feira, março 25, 2005

Poema que Teamo


The Kiss / Rodin



Em todas as vezes que Te

Poema em mim

Pra Sempre

Poema Dia

Noite

Orvalho

Penumbra

Poema sol Menor em mim

Rosa escancarada no ato

Poema tanto enquanto

Poema só comigo

Poema pra sempre

Poema comigo

Me Poema

Enquanto

Consigo


.

Zoe de Camaris
madrugada
17 de setembro/2004

quinta-feira, março 24, 2005

So Strange


Partemed

Não se encara a Medusa. Não sem sem as estratégias de Hermes, sem a proteção de Atena, sem os apetrechos mágicos, sem o Elmo da Invisibilidade daquele que não se diz o nome. Nem assim. É melhor mudar de assunto.


MEDUSA


An Pierlé


Estranha, em águas agitadas
Me afogando feito uma pateta
Estranho, como minha percepção
É pincelada por uma neblina azul
Estranho, como vim mesmo parar aqui
Morta de vontade de ainda viver
Peixes mordiscam meu corpo
Feito um almoço grátis flutuante

Se você mergulhar sozinho
Vai se perder no mar
Perdeu o senso de direção?
Somente me siga
Estarei por perto
Se você mergulhar, mergulhar, mergulhar

Estranho, como debaixo d´água
O som são ondas acima no ar
Estranha, me escuto respirando
Vou me erguendo ao perder ar
Estranho, agora parece estúpido
Construída sobre incenso e espelhos
Peças quebradas no fundo eram só o que faltava
Se você mergulhar sozinho...
Se você mergulhar, mergulhar, mergulhar...


Versão curitibana: Ivan Santana

domingo, março 13, 2005

M E D U S A


La Méduse Amoureuse


Strange, in troubled water
I am drowning in a goofy way
Strange, how my perception
Is slightly coloured by a blue haze
Strange, how I even got here
I was dying to be still alive
Fished nibble at my body
As I’m a free meal floating by

If you dive on your own
You’ll get lost in the sea
Lost your sense of direction?
Just follow me
I’ll be near
If you dive, dive, dive

Strange, how under water
Sound is waves upon the air
strange, I hear myself breathing
I am rising as I lose air
Strange, it now feels stupid
Built on incense and mirrors
broken pieces on the bottom is the last thing we need
If you dive on your own…
If you dive dive dive…

An Piérle

quinta-feira, março 03, 2005

Fragmento final do monólogo de Molly Bloom,
de Ulysses, de James Joyce





o sol brilha para você ele me disse no dia em que estávamos deitados entre os rododendros no cabo de Howth com seu terno de tweed cinza e seu chapéu de palha no dia em que eu o levei a se declarar sim primeiro eu lhe dei um pedacinho de doce de amêndoa que tinha em minha boca e era ano bissexto como agora sim há 16 anos meu Deus depois daquele longo beijo quase perdi o fôlego sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim certo somos flores todo o corpo da mulher sim foi a única coisa verdadeira que ele me disse em sua vida e o sol está brilhando para você hoje sim por isso ele me agradava vi que ele sabia ou sentia o que era uma mulher e tive a certeza de que poderia sempre fazer dele o que eu quisesse e dei-lhe todo prazer que pude para levá-lo a me pedir o sim e eu não quis responder logo só fiquei olhando para o mar e para o céu pensando em tantas coisas que ele não sabia em Mulvey e no Sr. Stanhope e Hester e papai e no velho capitão Groves e nos marinheiros que brincavam de boca-de-forno de cabra-cega de mão-na-mula como eles diziam no molhe e a sentinela defronte à casa do governador com a coisa em redor de seu capacete branco pobre diabo meio assado e as moças espanholas rindo com seus xales e seus pentes enormes e os pregões na manhã os gregos judeus árabes e não sei que diabo de gente ainda de todos os cantos da Europa e na rua Duke e o mercado de aves cheio de cacarejos em frente a casa de Lalaby Sharon e os pobres burricos tropicando meio adormecidos e os vagabundos encapotados dormindo na sombra das escadas e as enormes rodas dos carros de boi e o velho castelo velho de milênios sim e aqueles belos mouros todos de branco e de turbante como reis pedindo a você que se sente em suas minúsculas barracas e Ronda janelas velhas de pousadas olhos espiando por detrás de rótulas para que seu amante beije as grades de ferro e as tabernas semicerradas à noite e as castanholas e a noite que perdemos o barco em Algeciras o vigia rondando sereno com sua lanterna e Oh aquela terrível torrente profundofluente Oh e o mar carmim às vezes como fogo e os poentes gloriosos e as figueiras nos jardins da Alameda sim todas as estranhas vielas e casas rosa e azul e laranja e os rosais e os jasmins e os gerânios e os cáctus e Gibraltar quando eu era jovem uma Flor da montanha sim quando eu pus a rosa em meus cabelos como as moças andaluzas ou de certo uma vermelha sim e como ele me beijou sob o muro mourisco e eu pensei bem tanto faz ele como outro e então convidei-o com os olhos a perguntar-me de novo sim ele perguntou-me se eu queria sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro enlacei-o com meus braços sim e puxei-o para mim para que pudesse sentir meus seios só perfume sim e seu coração disparando como louco e sim eu disse sim eu quero Sim.


Transcriação: Haroldo de Campos
1971

Leitura do poema: Bete Coelho,
in Irish Dreams / Sonhos Irlandeses