terça-feira, agosto 03, 2004

A PANTERA NEGRA

Uma luz cor de rosa se espalha pelo espaço;
O horizonte brilha a Leste ao se delinear;
E o colar noturno, desmanchando seu laço,
Cai junto com as pérolas no mar.

Metade do céu se veste de flamas fracas
Que ele afivela em seu auge ofuscante e azul.
Uma face avermelha o esmeralda das facas
Da chuva de chamas que vem do Sul.

Bambus despertos onde o vento bate as asas,
Caneleiras e frutas roxas de lichi
Atiçam as gotas de orvalho feito brasas,
Compondo um rumor fresco aqui e ali.

E os montes e os bosques, os arbustos e as flores,
Súbito dilatados no ar quente e sutil,
Desabrocham numa onda de doces odores,
Cheios de volúpia forte e febril.

Por caminhos perdidos nas virgens florestas
Onde a erva grossa fumega ao sol da manhã;
Por rios vive na armadilha das encostas,
Debaixo de arcos verdes de ratã;

A rainha de Java, a negra caçadora,
Com a aurora, volta ao covil onde a ninhada
Entre ossos brilhantes miava de desespero,
Umas sobre outras, todas enroladas.

Inquieta, olhos agudos como os das flechas,
Ela ondula, espiando uma sombra carregada.
Algumas manchas de sangue, esparsas, frescas,
Tingem a pelugem aveludada.

Ela arrastou consigo um resto de sua caça,
Um quarto dum cervo que de noite comeu;
E sobre o arbusto em flor a horripilante marca
Vermelha, ainda quente, que a seguiu.

Em volta, as borboletas e as fulvas abelhas
Roçam de inveja seu dorso macio com vôo;
As folhagens alegres, em suas mil corbelhas;
Sobre seus passos perfumam o solo.

A píton, do abrigo dum cactus escarlate,
Desenrola-se e, curiosa testemunha,
Por debaixo de arbustos soerguendo a cabeça,
A vê passar a distância segura.

Sob a samambaia ela desliza em silêncio,
Entre os troncos se embrenha e some de visão.
Os ruídos cessam, o ar ferve, e o clarão denso
Entorpece a floresta, o céu e o chão.


Leconte de Lisle


Versão brasileira : Ivan Justen Santana

Um comentário:

Ivan disse...

*urra de satisfação*
parabéns de novo, zoey: você me adestrou e eu fiz a tradução quase em transe (com raiva mesmo, porque esse é um poema parnasiano, e você talvez não saiba, mas eu odeio os parnasianos abertamente e secretamente vou lá lê-los - mas, em suma, voltando ao ponto: ficou uma jóia, não? Digam que não! -) (estilo faulkner): quero dizer, tanto do ponto de vista técnico quanto emotivo (eu querendo gostar de mim...) está quase perfeito, e agora a autoria e a "tradutoria" deixam de ser importantes. Mas também o negócio da coisa é que me arrepiei de medo do que eu mesmo fiz... *sai, tremendo de pavor*