Há uma pantera me esperando de tocaia:
Algum dia vou morrer graças a ela;
Sua gana ateou fogo nas florestas,
Ela espreita, envolvente como a lua.
Muito macio e suave desliza seu passo,
Avançando sempre pelas minhas costas;
Da cicuta soturna, gralhas gritam desastre:
A caçada começa, o cerco está armado.
Esfolado por espinhos eu percorro pedras,
Ressecado pelo calor branco do meio-dia.
Ao longo da rede vermelha de suas veias
Que fogos correm, que desejos despertam?
Insaciável, ela explora e pilha o território
Condenado pela falha de nossos ancestrais,
Gritando: sangue, que o sangue jorre mais;
Carne tem que encher na sua boca o rasgo novo.
Afiados os dilacerantes dentes e doce
A chamuscada fúria de sua pelugem;
Seus beijos deixam crestas, as patas, fuligem,
Só um juízo final consumirá sua fome.
No rastro da grande felina encarniçada,
Acesos como tochas para sua diversão,
Homens tostados e devorados no chão
Tornam-se iscas da sua fúria esfomeada.
Morros já tramam perigo, a sombra se incuba;
A meia-noite encobre o bosque opressor;
A saqueadora negra, atrelada pelo amor
Nos quadris fluentes, me força à fuga.
Por trás do matagal confuso dos meus olhos
Fléxil ela espera; na emboscada dos sonhos,
Brilhantes as garras que estraçalham corpos
E famintas, famintas, suas tensas coxas.
Seu ardor me enlaça, incendeia as árvores,
E eu fujo com minha pele já flamejante;
Que acalanto, que alívio será frio bastante
Quando esse olhar amarelo queima e marca?
Lanço-lhe meu coração para frear seu ritmo,
Desperdiço sangue para saciar sua sede;
Ela come, mas não alivia sua ansiedade,
Que requer compulsiva um total sacrifício.
Sua voz me alicia, me enfeitiça em transe,
A floresta estripada então desaba em cinzas;
Apavorado por desejo secreto, fujo ainda
De um ataque tão violento e rutilante.
Entrando na torre dos meus medos sentidos,
Fecho as portas da minha culpa mais sinistra,
Eu tranco a porta, tranco toda e cada porta.
O sangue acelera, retumba nos ouvidos:
Os passos da pantera vêm pelas escadas,
Subindo mais, subindo mais pelas escadas.
Silvia Plath
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
3 comentários:
Ivan, acho que o David Bowie deu uma colada no poema para escrever a letra de Cat People, não acha?
Ivan, acho que Bowie "colou" na Plath para escrever a letra da música Cat People.
Todos colamos uns dos outros...
Bowie é um bom poeta,
brilhante às vezes,
delirante também.
Mas a Sylvia...
Certamente o Bowie a leu,
o bicha é culto pra caralho...
Nós mortais também. Você
sabe tudo, linda iauaretéia.
Um dia eu chego lá
nessa tal de imortalidade...
*rosna*
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