domingo, setembro 18, 2005

PANTHERA DOS OLHOS DORMENTES



Anayde Beiriz


“(...) O amor que não se sente capaz de um sacrifício não é amor; será, quando muito, desejo grosseiro, expressão bestial dos instintos, incontinência desvairada dos sentidos, que morre com o objetivar-te, sem lograr atingir aquela altura onde a vida se torna um enlevo, um doce arrebatamento, a transfiguração estética da realidade... E eu não quero amar, não quero ser amada assim... Porque quando tudo estivesse findo, quando o desejo morresse, em nós só ficaria o tédio; nem a saudade faria reviver em nossos corações a lembrança dos dias findos, dos dias de volúpia de gozo efêmero, que na nossa febre de amor sensual tínhamos sonhado eternos.

Mas não me julgues por isto diferente das outras mulheres; há, em todas nós, o mesmo instinto, a mesma animalidade primitiva, desenfreada, numas, pela grosseria e desregramento dos apetites; contida, nobremente, em outras, pelas forças vitoriosas da inteligência, da vontade, superiormente dirigida pela delicadeza inata dos sentimento ou pelo poder selético e dignificador da cultura.

Não amamos num homem apenas a plástica ou o espírito: amamos o todo. Sim, meu Hery, nós, as mulheres, não temos meio termo no amor; não amamos as linhas, as formas, o espírito ou essa alguma coisa de indefinível que arrasta vocês, homens, para um ente cuja posse é para vocês um sonho ou raia às lides do impossível. Não, meu Hery, não é assim que as mulheres amam. Amam na plenitude do ser e nesse sentimento concentram, por vezes, todas as forças da sua individualidade física ou moral.

É pois assim que eu te amo, querido; e porque te amo, sinto-me capaz de esperar e de pedir-te que sejas paciente. O tempo passa lento, mas passa...

...E porque ele passa, e porque a noite já vai alta, é-me preciso terminar.

Adeus. Beija-te longamente, Anayde”

(trecho de uma carta de 4 de julho de 1926 de Anayde Beiriz a Heriberto Paiva)





Lendo Anayde Beiriz
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O Amor está ligado à Beleza. Quando observei Eros e Psique de Rodin no Museu de Arte Moderna tudo se tornou uno e volátil ao mesmo tempo - ele e ela que eram um só. E belos, por serem dois. O corpo traduziu o que acometia à alma - pequenas borboletas elétricas brotando na pele. Era pedra, mas era pele. Não senti frio, mas era mármore. Era liso, mas vagueva contornos. Era água. E fundo, muito fundo. Não era azul nem era vermelho. Era lágrima mas não era triste. Não mais uma tradução da Beleza mas a face viva do Amor. Ver seu rosto. Puro. Quente. Ao meu lado.

De verdade.

Sim, é possível ver o Amor além de senti-lo. Psiquê foi punida não por observá-lo em seu sonho dourado mas por ter infringido uma lei até então desconhecida e sem a qual a Beleza não vive.

A Ética.

Há que existir Ética no Amor.

Se há Estética, há de existir Ética. Pois sem ela, Eros voa. Desprende. Escapa. E a beleza fica só. E o amor se enfeia.

Só há um caminho para o Amor. E as pedrinhas brancas que ladeiam essa estrada são feitas de delicadeza. Deve-se pisar leve. Mas são pedras e não cascas de ovos. É possível pairar sobre elas e depois soltar todo o peso que não se quebrarão. Você será sustentado para ganhar impulso. Acolherão seus pés com sandálias douradas. E será possível brincar. E olhar para as flores. E sentir calor. E conversar com o Bicho Papão. Desabar em carreira, serenar o ritmo. Deitar-se na estrada, dormir. Acordar. Percorrê-la.

Não dá pra amar de qualquer jeito.
Não basta o Amor substantivo sem o verbo que lhe dá Ânimo.
É preciso aprender a conjugar – que se enverede pelos caminhos do Érebo mas que, depois, se faça a luz.

O amor que eu vi, existe. E é Belo. E é Bom.




Zoe
05.10.05


Um comentário:

Anônimo disse...

Foi surpreeendente participar desse livro, Zoe. E muito bom, também. Vou ver se tenho esse texto e te mando, ok?