quinta-feira, outubro 27, 2005



FLOR


A pedra.
A pedra no ar, que segui.
Teu olho, tão cego como a pedra.

Éramos
mãos,
esvaziamos a escuridão, encontramos
a palavra, que ascendia do verão:
flor.
Flor - uma palavra de cegos.
Teu olho e meu olho:
procuram
água.

Crescimento.
O coração: de parede a parede
se forma.

Uma palavra ainda, como esta, e os martelos
vibram ao ar livre.



Paul Celan
De Limiar a Limiar (1955)
trad. Cláudia Cavalcanti

segunda-feira, outubro 24, 2005





MORANGOS


Nunca houve morangos
Como os que tivemos
Naquela tarde tórrida
Sentados nos degraus
Da porta-janela aberta
de frente um para o outro
seus joelhos encostados nos meus
os pratos azuis em nossos colos
os morangos brilhando
na luz quente do sol
nós os mergulhamos em acúçar
olhando um para o outro
sem apressar a festa
para outra por vir
os pratos vazios
deitados sobre a pedra juntos
com os dois garfos cruzados
e me aproximei de você
dócil naquele ar
nos meus braços
abandonado como uma criança
da sua boca ávida
o gosto de morangos
na minha memória
inclina-se de volta
deixe-me amá-lo

deixe o sol bater
sobre o nosso esquecimento
uma hora de tudo
o calor intenso
e o relampâgo de verão
nas colinas de Kilpatrick

deixe a tempestade lavar os pratos


Edwin George Morgan
Tradução de Virna Teixeira

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STRAWBERRIES


There were never strawberries
like the ones we had
that sultry afternoon
sitting on the step
of the open french window
facing each other
your knees held in mine
the blue plates in our laps
the strawberries glistening
in the hot sunlight
we dipped them in sugar
looking at each other
not hurrying the feast
for one to come
the empty plates
laid on the stone together
with the two forks crossed
and I bent towards you
sweet in that air
in my arms
abandoned like a child
from your eager mouth
the taste of strawberries
in my memory
lean back again
let me love you

let the sun beat
on our forgetfulness
one hour of all
the heat intense
and summer lightning
on the Kilpatrick hills

let the storm wash the plates



Edwin George Morgan




quarta-feira, outubro 19, 2005


Família de Beija-Folhas by Acuio


Piscada


Bandos de papagaios atravessam minha cabeça
Quando te vejo de perfil
E o céu de banha estria-se de relâmpagos azuis
Que traçam teu nome em todos os sentidos
Rosa penteada de tribo negra perdida numa escada
Onde os seios agudos das mulheres olham pelos olhos dos homens
Hoje eu olho pelos teus cabelos
Rosa de opala da manhã
E desperto pelos teus olhos
Rosa de armadura
E penso pelos teus seios de explosão
Rosa de lagoa esverdeada pelas rãs
E durmo no teu umbigo de mar Cáspio
Rosa de rosa do mato durante a greve geral
E me perco entre teus ombros de via lactea fecundada por cometas
Rosa de jasmim na noite da lavagem dos linhos
Rosa de casa assombrada
Rosa de floresta negra inundada de selos azuis e verdes
Rosa de papagaio-de-papel sobre um terreno baldio onde brigam crianças
Rosa de fumaça de charuto
Rosa de espuma de mar feita cristal
Rosa


Benjamin Péret
Amor Sublime
tradução de Sérgio Lima e Pierre Clemens

quarta-feira, outubro 12, 2005





Quem arranca do peito seu coração para a noite deseja a rosa.

São seus a folha e o espinho,
para ele ela põe a luz no prato,
pare ele ela enche os copos com sopro,
pare ele murmuram as sombras do amor.

Quem arranca do peito seu coração para a noite e o atira alto:

Não erra o alvo
apedreja a pedra,
e ele bate o sangue do relógio,
para ele sua hora soa o tempo na mão:
ele pode brincar com bolas mais bonitas
e falar de ti e de mim.


Paul Celan
Ópio e Memória
tradução de Cláudia Cavalcanti


p.s.: não consegui manter a formatação original do poema -
se alguém souber como se faz, será uma gentileza.

sábado, outubro 08, 2005

CANÇÃO DE UMA DAMA NA SOMBRA


Henry Sides / Tulip Woman


Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano que amei.

Carrega-os assim por vaidade.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.

É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e as noites.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.

E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.

E não ganha
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.

E é podado com as tulipas.



Paul Celan
Ópio e Memória (1952)
Tradução de Cláudia Cavalcanti



nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua intensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas


Poema de e. e. cummings, traduzido por Augusto de Campos,
musicado por Zeca Baleiro.

terça-feira, outubro 04, 2005




C R I S T A L



Não procura nos meus lábios tua boca,
não diante da porta o forasteiro,
não no olho a lágrima.

Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho,
sete corações abaixo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.



Paul Celan
tradução de Cláudia Cavalcanti




Magritte 1950 / Les Moyens d'Existence - Rose et Poire


A Família da Rosa

A rosa é uma rosa,
E sempre foi uma rosa.
Mas a teoria agora reza
Que a maçã é uma rosa,
E a pêra também, mesmo caso
Da ameixa, já é quase certeza.
Sabe-se lá mais qual coisa
Receberá o status de rosa.
Vocês, certamente, são uma rosa –
Mas sempre foram uma rosa.

Versão Brasileira: Ivan Justen Santana
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The Rose Family
Robert Frost


The rose is a rose,
And was always a rose.
But the theory now goes
That the apple's a rose,
And the pear is, and so's
The plum, I suppose.
The dear only know
What will next prove a rose.
You, of course, are a rose -
But were always a rose.