sábado, outubro 08, 2005

CANÇÃO DE UMA DAMA NA SOMBRA


Henry Sides / Tulip Woman


Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano que amei.

Carrega-os assim por vaidade.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.

É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e as noites.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.

E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.

E não ganha
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.

E é podado com as tulipas.



Paul Celan
Ópio e Memória (1952)
Tradução de Cláudia Cavalcanti

Um comentário:

Anônimo disse...

Zoe, já percebeu que você é um jardim?