quarta-feira, maio 03, 2006


A PALAVRA SEDA


A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,

nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.


João Cabral de Melo Neto
Quaderna, 1956-1959

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Zoe, conheço uma pessoa que encaixa tão perfeitamente neste poema, cheguei a sentir a pele de seda de seu corpo; deslizante, felino. Incrível como palavras trazem de volta os cheiros, os toques, os beijos, a pele...

Anônimo disse...

Monica!Secos & Molhados! Essa música escutei outro dia uma porção de vezes ....e esse poema é maravilhoso, parece conosco!
Delicioso! :) saudade!

Anônimo disse...

Lindo. Não conhecia esse poema.

Um grande beijo.