sábado, dezembro 09, 2006


Como pintar um pássaro


Rogério Dias


Pinte primeiro uma gaiola
com a porta aberta.
Em seguida pinte
alguma coisa graciosa,
alguma coisa simples,
alguma coisa bonita,
alguma coisa útil...
ao pássaro.
Depois, coloque a tela contra uma árvore
no jardim,
no bosque
ou na floresta
e esconda-se
atrás da árvore
sem dizer nada, sem se mexer.
Às vezes o pássaro chega logo,
mas pode levar muitos, muitos anos
até se resolver.
Não desanime,
espere.
Espere, se preciso, durante anos.
A velocidade ou a lentidão da chegada
do pássaro, não tem a menor relação
com a qualidade da pintura.
Quando ele chegar
(se chegar)
mantenha o mais profundo silêncio,
espere que ele entre na gaiola.
Depois que entrar,
feche lentamente a porta com o pincel.
Aí então
apague uma por uma todas as varetas.
(Cuidado para não esbarrar em nenhuma pena
do pássaro.)
Finalmente pinte a árvore,
reservando o mais belo de seus ramos
ao pássaro.
Pinte também a verde folhagem e a doçura do
vento,
a poeira do sol,
o rumorejo dos bichinhos da relva no calor da
estação.
Depois aguarde que o pássaro se decida a
cantar.
Se ele não cantar,
mau sinal:
sinal de que o quadro não presta.
Mas bom sinal, se ele canta:
sinal de que você pode assinar o quadro.
Então retire suavemente
uma pena do pássaro
e escreva o seu nome a um canto do quadro.



Jacques Prévert
Tradução de Carlos Drummond de Andrade

4 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Isto me fez lembrar um texto de Herberto Helder sobre um peixe num aquário...

Magic Kisses.

Anônimo disse...

A Pantera coloriu-se, abriram a jaula ou quebraram-se as grades?

Zoe de Camaris disse...

Vou procurar o poema, Lord of Erewhon. Valeu.

_____________

Ser Anônimo, vc é bastante perspicaz. Mas a pantera sempre foi pintada. E a jaula - se é que existiu - tinha grades de névoa.

Nada como o vento.

Ruan disse...

muito perfeito o poema!
as imagens qu'ele transpõe são tão reais, mas ao mesmo tempo, de um imaginário desigual!

=]

e olha qu'eu não curto muito as traduções do Drummond!