ilustração de Audrey Beardsley para a tradução inglesa de Salomé, peça de de Oscar Wilde
Sensualidade. Uma faca, duplamente afiada? Tudo é duplo na mulher, triplo, cinco fases da lua. Quando falo da pantera, pensam que é apologia. Se desvelo as estratégias, seria eu a felina? Só na fase negra. Sou corça quando a lua é nova, pomba quando cresce, serpente quando está cheia, loba na minguante ... eu e todas. Todas em mim. Em qualquer uma. Qualquer mulher.
Salomé ama JOKANAAN. Salomé mata JOKANAAN. É lua virgem, é dançarina de Vênus, é menina mimada. São cortadas inúmeras vezes a cabeça do mesmo homem por diversas Salomés. Eles oferecem suas cabeças cantando vitória e uivam para lua tinta de vermelho, invisível para os seus olhos. São muitas as Salomés, a mesma cabeça diversamente cortada. Crê o homem que as possui, são apenas possuídos. Crê a mulher ser possuída porque esse é seu desejo. Enquanto isso, há lua lá fora e inúmeros sóis submersos. Tantos sóis quanto cabeças cortadas.
....................
Só hoje consegui pegar na locadora o filme A Última Dança de Salomé, de Wilde, dirigido por Ken Russel. Desisti do C. Saura, preferi cinematografar meu fim de semana com catálogos, já que ninguém me paga para ficar aqui pesquisando, digitando, escrevendo. Paixão dá nisso. O preço é alto e a gente encara sozinha, ninguém para dividir a conta. Mas não reclamo muito não. Adoro saber coisas sobre as quais, talvez, nunca ninguém me pergunte. Saber é excitante. E já estou aprendendo a ignorar outras. Porque ignorar faz parte do Saber. É a ignorância sabida.
....................
Salomé é muitas, como toda mulher. Se um homem tem três mulheres, multiplica seus problemas por cinco, no mínimo. Os índios conheciam o perigo que o homem moderno desconhece. O excesso enfraquece. Dilui, estraga, entorpece. As mulheres, cansadas de bater na mesma tecla, adotam idêntico comportamento. Ninguém é de ninguém, não é isso? E o sexo torna-se palco de mesmices. Momices. O teatro dos pobres, diria Wilde. Trepar - palavra perfeita, pois revela um ato mecânico - equivale a comer uma fruta doce (araticum?) no quintal de casa e jogar o caroço fora. Sendo o mistério do amor maior o que da morte, escolhemos a morte.
"Nesse dia, o sol ficará escuro como um saco de penas, a lua ficará como sangue, as estrelas cairão na terra como um figos verdes das árvores. Os reis da terra sentirão medo"
(fala de João, o Batista, em A Última dança de Salomé)
....................
O que Wilde explora na sua peça proibida por imoralidade é o arraigado temor masculino em ser tragado pela vagina da mulher. A vagina dentata. Atargátis, a deusa-sereia que exigia de seus discípulos a castração é ancestral de Salomé.
São diversas as patológicas decorrentes - homossexualismo, impotência, satiriáse, em diversos graus de intensidade.
A busca de diversas mulheres, por exemplo, de modo praticamente indistinto, é uma forma de controlar o medo de Atargatis. Contê-lo. Repetindo o eterno vai-e-vem, dentro e fora da mulher, alternando presença e ausência, o homem retoma um ilusório controle da mãe primeva. O medo de ser engolido pelo útero materno, de volta ao líquido amniótico, sem nenhum poder.
O medo não é apenas do sexo, o medo é do amor somado ao sexo, que pode soar incestuoso. E o incesto é mote na passagem bíblica que retrata Salomé, filha de Herodíades. Herodíades, a adúltera, aquela que deixa o marido morrer para casar-se com seu irmão. Os olhares pecaminosos de seu marido Herodes para sua filha adolescente. O incesto é o tabu dos tabus.
Temeria o homem o amor que abraça, como representação de engolimento fatal pelo útero materno? Isso explicaria o discutido imperativo biológico? Não seria o homem maduro aquele que enfrenta seu medo, livra-se da mãe primeva e a retoma em uma oitava maior?
O medo de morrer é confundido com o prazer de amar. Eis a pequena morte. Deve-se procura apenas o amor.
Um comentário:
perfeito seu texto.... me vejo em salomé , vejo ela em mim, em nós... amei seu blog
www.daniilopes.blogspot.com
vou linkar seu blog ok? bjss
Postar um comentário