terça-feira, fevereiro 22, 2005

Síndrome de Sereia


Erté


Esse texto foi publicado há dois anos, no site Mito & Magia, numa época em que procurava insistentemente compreender as razões da rivalidade feminina. Já passei a fase. Compreendi e descompreendi. E relativizei - tem gente que é do mal mesmo e aí chamar a figura de naja, naza, cascavel, sacana, babaca, etc etc, é mais do que lícito, seja homem ou mulher. Lasquem-se. Xingo mesmo. Por outro lado, minha paciência se esgotou completamente com a “Síndrome da Fada-Boazinha” – mocinhas queridocas que amaciam ursinhos mas que insistem em não tomar o imprescindível Sitocol, tônico revitalizante do bom-senso. Fichas que não caem nunca. Joanas-sem-braço. Sonsas. Antes o surto de sereia, mil vezes sereia, pois ao menos é óbvio. Dá pra compreender. Mulheres ... na boa ! Menos chilique e mais ação. Bem, dito isso, divirtam-se. Adoraria alguns comments. O assunto continua polêmico.

Zoe

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Minha irmã é uma Sereia


Leah Demchick


Lealdade. Palavra desconhecida entre as mulheres? Dizem que sim, parece até existir um consenso quanto à falta de irmandade feminina. Pergunte a um homem e a resposta não raro, será: - São competitivas, cheias de artimanhas, não gostam umas das outras. Milhares de mulheres afirmariam o mesmo.

Claro, tem o caso da querida Tia Matilde, grande carinho de tod@s, orgulho de nunca ter brigado com uma amiga. E diversas manifestações da amizade e cumplicidade na vida e na Arte sobre as quais teceríamos uma Colcha de Retalhos, se o assunto não fosse outro: A Falta de Lealdade entre as mulheres, assunto cheio de espinhos entre Rosas e Camélias.

Onde isso acontece? Em qualquer lugar. Em casa, no trabalho, nas festas, em velórios, até dentro do ônibus.

Como acontece? Lembra daquela cena particular apimentada feita da mais pura insídia que derivou para um barraco de histórias inquietantes? Claro que lembra. Se não aconteceu com você, com certeza com uma amiga.

Em que medida isso acontece? Parece freqüente.

Por quê, ao certo? - Diversos motivos... Deslinda-se então um rosário de hipóteses: mulheres competem por vaidade; porque são naturalmente vingativas; por um par de calças ou um “príncipe encantado”; porque ficam magoadas e não sabem lidar com isso; porque é inerente à sua natureza, característica feminina nata; porque fazem jus a um estereótipo socialmente construído. Alguns chegam afirmar que, em certos casos (foi Freud, não?), é desejo sexual não reconhecido por pessoas do mesmo sexo.

Verdades ou Chavões? Cabe questionar. Vamos lá.

Se estamos falando da falta de lealdade feminina é possível pressupor então que exista uma maior lealdade entre os homens. Parece que eles resolvem as pendências de uma forma mais direta. Na maior partes das vezes sim, embora também tenhamos exemplos contrários. A deslealdade existe nos dois sexos, é humana.

Então é bom pontuar de que tipo de deslealdade estamos falando e o que tem a Sereia a ver com isso, partindo da primeira peça de um quebra-cabeça que venho tentando montar faz tempo. E para isso, peço a ajuda de vocês – é um jogo com mais de mil peças.

Parceiras Na Lua Negra – A Natureza Instintiva

Todos sabemos que nos agrupamentos ditos primitivos, a mulher passava o período menstrual em reclusão, afastada do convívio social, já que diversos tabus advinham do sangue feminino. A mulher não poderia cozinhar, plantar, colher e muito menos ter relações sexuais. O sangue menstrual sempre gerou medo porque o seu poder é intenso. Os homens fugiam desse contato porque acreditavam que ficariam impotentes para realizar suas atividades, ou seja, que a força do sangue poderia enfraquecê-los. O tempo de reclusão era o momento da solidão feminina, época de reabastecimento, em que o descanso dos afazeres domésticos e do sexo poderia soar como um alívio.

É dito que existe uma tendência de que as integrantes de um mesmo grupo, menstruem juntas. Caso não exista luz elétrica à noite, apenas os influxos da Lua, as mulheres sangrariam na Lua Negra. Recolhiam-se então em um mesmo espaço, o que geraria uma maior integração do feminino. O trato com o sagrado seria intensificado e a mulher poderia conectar-se de forma mais profunda à sua natureza instintiva.

Atualmente, a relação da mulher ocidental com o corpo e seus ritmos é completamente diferente. Não temos mais esse tempo precioso dedicado a nós mesmas, período em que existia a possibilidade de dar vazão ao lado escuro da Lua. Ao contrário: não raro as mulheres detestam ficar menstruadas porque isso as recorda de suas limitações e da sua natureza real, ou seja, cíclica.


Magritte /Siren

Se para uma mulher “primitiva” o período que antecede às regras também poderia ser uma época de maiores agitações internas, para a mulher moderna, sucumbir ao sabor da natureza instintiva é bastante inconveniente. As demandas do cotidiano não deixam espaço para uma saudável reclusão. As terríveis cólicas e a batida TPM são um reflexo da falta de integração com nossos processos internos. Remédios e também a supressão da menstruação são cada vez mais utilizados para resolver esse “problema”. E estamos cansadas de saber que esse não é um processo apenas biológico e hormonal, mas também, psicológico.

Esther Harding, em seu livro Os Mistérios da Mulher, mais especificamente no capítulo que trata sobre o sentido interior do ciclo lunar, nos apresenta um desenho feito por uma de suas pacientes. Nesse desenho estão retratados cinco aspetos de uma Deusa e sua relação com as fases da Lua.

A primeira mulher apresenta um vestido de escamas decotado, na altura dos seios, e atrás dela a lua começa a crescer. A segunda traz o vestido de escamas na cintura e sua imagem de lua está pela metade. A terceira tem o vestido aos seus pés, totalmente nua e revelada, frente a uma lua cheia. A quarta, apresenta a roupa na altura dos quadris, com a lua decrescendo, também pela metade. A quinta traz o vestido tampando os seios, e a lua está no fim da minguante.

O sexto aspecto, em que a mulher estaria completamente tomada pelas escamas, não é mostrado no desenho. É o aspecto misterioso, secreto, no qual o instinto toma conta do feminino e que, para o homem, é tabu – significa a doença e morte.

Ela é toda instinto.

A Sereia Inconsciente

Representada sem pernas, a Sereia é mulher, mas não tem um sexo humano. Seu rabo é psi, natural das águas, do plano submerso das emoções. Metade mulher - cabeça e coração. Metade peixe - o sexo escondido, inalcançável, fechado em uma armadura de escamas. A Sereia mitológica não tem sexo e, no entanto, personifica o fascínio do feminino, que se traduz em música e beleza. Pode não existir no mundo real, mas o inconsciente coletivo está convencido que a sereia existe, é um arquétipo pulsante.

A Mulher-Sereia, ou seja, uma mulher humana com a Sereia incorporada, conhece todos os meandros da sedução, mas não entra em contato sadio e consciente com a sua sexualidade porque é uma sexualidade submersa. Poderíamos dizer, para efeito didático, que apresenta uma sexualidade “não humana”. É um recipiente selado. Por conseqüência, não alcança integrá-la em sua psique. E ao emergir das águas do inconsciente e refluir em um corpo de mulher, não raro causa situações de difícil resolução. É a Alma Primitiva que irrompe, sem avisar.


Tempting Eve/Russ Horseman


Esther Harding diz que essa energia instintual não é boa nem má, mas que se estiver entregue a si mesma só pode produzir efeitos não-construtivos. Nesse momento é necessária a intervenção humana para que se converta essa energia em trabalho. Quando uma mulher está entregue a uma inundação de energia instintiva, não consegue se satisfazer em nenhum relacionamento amoroso. E na maior parte das vezes, é a última a aceitar que é uma prisioneira do próprio instinto. É uma mulher auto-erótica.

O peixe é um animal de sangue frio. Uma mulher tomada pela Sereia, seduz de forma compulsiva, sem a mediação de qualidades humanas como o amor, a compaixão e o escrúpulo.

Encarna a Femme Fatale e, se faz sucesso num primeiro momento entre os homens, não é nada popular entre as mulheres. É uma Mulher-Anima, intrinsecamente identificada com um arquétipo. É presa de sua Sombra, até o momento que consiga reconhecê-la e integrá-la. E este é um processo complicado, por que ao contrário da mulher “primitiva”, a Sereia moderna dificilmente entra em contato direto e consciente com a sua natureza instintual.

A Sereia causa um grande incômodo nas outras mulheres, principalmente para aquelas que, ao contrário da Mulher-Peixe, não se permitem vazão alguma da sua natureza primitiva. São dois pólos: a inundação pelo instinto e o represamento da natureza instintual.

A rivalidade se instala assim que a Sereia entra em cena, aberta com todas suas garras: aquela que não aceita esse aspecto em sim mesma, se retrai na mesma hora.

Nesse momento, o poder da Sereia lhe parece é infalível, mesmo que a mulher em questão não seja nenhuma “Gilda” Hayworth, nenhuma Marlyn Monroe. Seu rosto, afinal de contas não é tão bonito. Mas incomoda. Alguma coisa... o que será?


Brian Brokwell

Sua sensualidade? Sua alegria? Seu despojamento? A presença da Sereia paira no ar, como um perfume aquático. Pior se for perto de certo colarinho, aí o caso é grave, uma séria ameaça.

Ciúmes: - “Agi por instinto de preservação” - motivo para vinganças malignas e tramóias horrendas. Quem, qual mulher dentre nós, nunca mordeu os lábios de raiva, na melhor das hipóteses, por causa de uma Outra?

- “Mas ela merecia, aquela .... aquela ...” e daí pra frente, sabemos de cor os xingamentos: palavras que mulher nenhuma gostaria de escutar mas que não pensa duas vezes antes de proferir.

Acho muito estranho uma mulher chamar a outra de “Filha da Puta”, principalmente no meio pagão, no qual se pressupõe uma maior consciência do feminino. Não é estranho? Esse bordão é repetido sem pensar. Nem nos damos conta do que estamos dizendo, embora saibamos exatamente o que a expressão significa. No entanto, é linda a evocação a Isthar, não é mesmo? Deusa, que em um dos seus múltiplos aspectos, é a Deusa do Amor Sexual, e chamada de “A Grande Prostituta da Babilônia”: - Uma prostituta compassiva, sou eu – diz Isthar.


Ishtar

E Ishtar é a deusa que irá dar origem a Atargatis, a primeira Deusa Sereia, e que como é do conhecimento de todos, é aquela que castra o homem – seus discípulos eram emasculados. Na época elizabetana, Sereia era sinônimo de prostituta. Assim a Rainha Elizabeth chamava a sua rival, Mary da Escócia. Bem, provavelmente, Mary era mais bonita que Elizabeth.

Hoje, se a “Sereia” for considerada bem dotada por Afrodite, é vulgar ou burra. Se vista como mais inteligente ou articulada, é chamada de pedante. Olhou de solslaio para algum marido ou namorado e foi flagrada:– “uma sirigaita, uma oferecida”.

Na hora da raiva, nenhuma mulher presta. Nenhuma, são todas iguais, as doidivanas descabeladas, medusas e horrendas. O mundo está repleto de Sereias, ávidas para levar o seu Ulisses, seu querido Ulisses, pra baixo d’água e para bem longe de você.


lá-lári-lá-lá

E quando a Sereia É você? Lembra-se daquela festa? Daquela garota com um namorado de arrancar suspiros de qualquer mulher? Recorda-se das suas atitudes? Correr para o banheiro com a “melhor” amiga para retocar o batom, acertar o decote, ver se a derrière está em cima, e jogar os cabelos para o alto?

- “Não, imagina. Eu nem dei em cima dele. Ele que me olhou e ai, sabe como é, ninguém é de ferro. E depois, a mulher dele é uma perua hor-ro-ro-sa. Viu como ela é gorda? E o cabelo ressecado? Sem contar o modelito, péssimo.”

O quê, você nunca fez isso? Compreendo. Você é uma mulher bacana, nunca caiu nessa armadilha, ou melhor, nem passou perto dela. O exemplo não serviu.

Tentemos outro: Agora, temos um homem desacompanhado. Você anda meio chateada com aquele último fora, uma história que não deu certo. Ele é um cara legal, mas você só está a fim de se divertir. E se diverte. Só que o moço fica apaixonado ... ah, esse cara é um chato. Não pára de me ligar, não larga do meu pé.

Isso também nunca aconteceu com você? Que estranho...e raro. Mas e se, de repente, esse mesmo moço aparecer, com uma loira escultural (morena ruiva, etc.) e passar na sua frente? Você continua mantendo a mesma postura? Ou parte para reconquista? E se parte, parte por quê? Porque gosta de desafios ... certo, já entendi.

Pintei um quadro negro, acredito, e até radicalizei para poder mostrar os contrários. Mas não exagerei, é assim mesmo. Acontece de formas mais sutis, mais refinadas, mas no final das contas, é sempre a mesma coisa. E depois, é necessário borrar o espaço em branco desse assunto tabu para que seja possível inscrever-se nele. Tema polêmico, controvertido e de difícil conclusão. E desagradável, mas não mais desagradável do que os efeitos maremóticos causados por uma Sereia em ação. Seja quando estamos no papel da Sereia Sedutora, seja quando somos vítimas dela. A pergunta é: Como ficar numa boa?

Já tratamos da questão do instinto feminino. Mas não podemos deixar de lado, quem parece estar no centro das atenções - o homem. Seria o homem então referência e causa de posturas sedutoras femininas que recriminamos quando encarnadas no papel de vítima? E quando vestidas de escamas, a razão para que sejamos extremamente benevolentes para conosco mesmas, encontrando desculpas que justificam as atitudes de explícita sedução?

Mas será mesmo o homem, o ponto-chave da questão? Nos tempos em que garantir um par equivalia a obter um espaço na sociedade; na época em que casar era a finalidade e necessidade básica de uma sobrevivência digna, dá até para entender. Muito da “sereia em ação” se deve ao medo ancestral que permanece no fundo de cada uma de nós. Mas é um medo atávico e que não corresponde mais à realidade, uma época em que a mulher se sustenta e é aceita pela sociedade, seja criando seus filhos sozinha ou mesmo em produção independente.


Family

Homens não são necessários para prover nosso sustento, - podemos trabalhar. Homens são necessários para uma troca estimulante e que se dá em um nível de companheirismo e igualdade. Mas a ficha feminina não cai... Tudo giraria então, em torno do imperativo da reprodução? Penso que é momento certo para quebrar esse paradigma, instalado de forma arraigada na nossa psique. O cerne da questão está em nós mesmas e não no homem.

Sabemos de tudo isso e, no entanto, padecemos dos efeitos de um mercado que praticamente nos obriga a fazer jus a uma imagem idealizada de mulher. A moda, os implantes, o silicone, a atitude, e por aí vai. Por mais que a mulher tenha uma cabeça boa, na hora de transar com um homem mais novo que ela, sempre vai lembrar que não tem um corpo de uma garota mais jovem do que ele. Acabamos nos esforçando para corresponder àquilo que não somos. E isso começa acontecer cedo, sei de casos de implante de silicone em meninas que nem alcançaram sua maturidade física. Uma mulher não deve ser medida pelos seus atributos externos. E a Feminidade não está atrelada ao que o homem acha da mulher.

Toda mulher tem dentro de si uma Sereia, independente de corresponder ou não ao modelo vigente de beleza. Sedução e beleza não são sinônimas, apesar de serem palavras irmãs. Toda mulher pode ser sedutora, misteriosa, interrogativa. É só deixar que a sereia escorregue de dentro dela e venha à tona. Com consciência.

Ainda vivemos dentro de um sistema patriarcal e paternalista, gostemos ou não dessa conclusão. Que os tempos mudaram, já sabemos. Mas o arquétipo do homem provedor ainda viceja na nossa psique, assim como a necessidade de rivalizar. Quando a Sereia emerge e se depara com esse estado de coisas, costuma fazer uma aparição de difícil trato.

Sisterhood

Quando há anos atrás, entrei em listas de discussão sobre Wicca e Paganismo, já que vinha lendo e praticando há muito tempo sozinha, achei que iria encontrar mulheres com uma cabeça mais trabalhada em relação a essa questão, ou ao menos, mais abertas à discussão. Mulheres que teriam uma noção aproximada do conceito de irmandade, a tal Sisterhood. Parti do princípio que, ao ouvir O Chamado da Deusa, a amizade se estabeleceria de forma mais segura e questões como a competição ferrenha seriam tiradas de letra. Que poderia me sentir em casa, abrir meu coração e compartilhar idéias tranqüilamente. Afinal, estaria entre mulheres que acordaram para certos aspectos que outras, talvez, jamais se dessem conta.


As Secret Magic Place/Russ Horseman

Santa ingenuidade, Mulher-Gato! E ingenuidade, nesses casos, costuma causar efeitos desastrosos. Fiz boas amigas, é verdade, mas tenho meu muro de lamentações. Em pouco tempo observei demonstrações de rivalidade que me fizeram ficar de cabelo em pé. O que mais vi e ouvi foram proferimentos idealizados sobre irmandade feminina, mas que só existiam da boca pra fora.

Tempos depois, entrei para uma lista de Dança do Ventre e me surpreendi com afirmações de que a competição entre as dançarinas da Deusa é ainda maior do que em outras danças. Percebi isso in loco assim que comecei a freqüentar aulas – é bom lembrar que estamos falando de rivalidade e da decorrente deslealdade, porque o meu encanto com a arte da dança e o que aprendi com a DV não está em questão. As dançarinas costumam chamar o fenômeno de excesso de frivolidade de “lantejoulite”.


Merexmas

Ok, o fato de uma mulher ter sua filosofia de vida ligada aos Mistérios Femininos não tira sua matéria, sua humanidade, sua vaidade. Pessoas são pessoas, independente de credo, opção, religião. Trilhar o caminho do sagrado feminino não faz a menor diferença quando o bicho pega, quando “o seu território é invadido”.

Parece óbvio, mas para mim não era, já que sempre priorizei as amizades, em detrimento dos marmanjos. Namorados passam, amigas ficam. Cansei de ser chamada de “banana” ou “otária” pelo pessoal aqui em casa e por pessoas com quem tenho maior intimidade, porque diversas amigas “aprontavam” e eu continuava na mesma. No entanto, continuo achando que as mulheres deveriam ter uma certa ética, ou ao menos um maior esclarecimento no que tange a questão da irmandade feminina. O problema é que muitas não sabem nem por onde começar. Hoje, chego a pensar que as mulheres que optam pelo Paganismo se deparam mais rapidamente com esse arquétipo e talvez por isso mesmo, ele se torne exacerbado e indomável.

Pessoalmente, prefiro continuar a ser chamada de “banana” do que engrossar o caldo da falta de alteridade que grassa entre as mulheres. Já vesti a cauda de sereia sem saber que a estava usando. E já a vesti tendo a plena consciência do meu rabo-de-peixe (é bem melhor). E também já fui vítima da ação de algumas sereias.

Não sou diferente e nem melhor do que ninguém. Apenas aprendi cedo o verdadeiro significado da palavra COMPAIXÃO. E compaixão não é pena, não é sentir dó de alguém. Compaixão, é “sentir junto”. É só ir num dicionário etimológico conferir.

Compaixão é poder perceber que a mulher ao seu lado está inundada pela sua natureza instintiva, assim como você mesma já foi atingida por ela. Ou perceber que o que lhe causa inveja pode ser o que você está reprimindo dentro de si mesma. Ter compaixão de uma Mulher-Sereia é fazer o melhor por você - e por ela. Ter compaixão de uma mulher raivosa, por causa de uma Sereia, também é fazer o melhor pelas duas.

Sejamos claras: se o homem que lhe acompanha, desviou os olhos para uma outra, ou até teve um caso, sua questão é primeiro consigo mesma e em seguida, com ELE. Não com ELA. Ela está simplesmente personificando um aspecto da Lua Negra, a sua mesma natureza instintual.

Difícil, não? É, eu sei. Já senti vontade de pular no pescoço e também teci comentários maldosos, mesmo tendo como meta o exercício da compaixão. É um desafio compreender a Sereia no calor da ação, mas não impossível. Experimente tentar. Pode perecer estranho no começo. Reverta o jogo. Os resultados são os melhores possíveis, pode acreditar. Em vários sentidos.

Vale a pena fortificar os nossos laços com o feminino, porque os fortificando, principalmente em situações de confronto, damos vida e força a esses mesmos laços dentro de nós. E nos tornando fortes podemos direcionar nossa energia para objetivos mais interessantes e construtivos. A possibilidade de usar a força e o poder do instinto, a nossa Sereia Interior, para um trabalho mais centrado. A energia usada para “rivalizar” pode ser utilizada para “compartilhar”. A competição, trocada pela solidariedade. Não é disso que nos fala a Sisterhood? Não seria o momento do Retorno da Deusa, o tempo ideal para voltarmos a compartilhar a nossa natureza primitiva e instintual? Ou ao menos tempo de reconhecer quando uma irmã está sob os influxos da Lua Negra?

Procurem fazer um exercício de Compaixão da próxima fez em que a situação se apresentar. Quando a Natureza é reconhecida e integrada, as Sereias deixam de ser ameaça. Mude a perspectiva, nem que seja apenas uma vez.

E depois, vocês já perceberam como grande parte dos homens tira partido e até incentiva a rivalidade feminina? Claro, melhor para eles. Se sentem mais valorizados. E isso não acontece só com garotões, não. Já vi homens de 50 e tantos anos fazerem isso e um pouquinho pior.

Creio que a solução para esse entrave ainda passe muito longe de uma conclusão. Mas é importante parar e pensar. O momento não é apenas de busca de uma harmonia entre os sexos, mas entre os seres humanos. E muita gente não compreendeu que o Feminismo (atual) não é uma guerra, mas sim uma possibilidade para que essas questões sejam levantadas, pensadas, digeridas.

Amigas Sobre o Rochedo

É interessante notar que nas obras de arte que retratam Sereias, não é nada difícil encontrá-las em grupo. Tenho uma coleção de imagens com mais ou menos umas oitocentas Mermaids e nunca vi nenhuma figura que mostrassem sereias em confronto, ao contrário.

A Sereia é um ser gregário - Peter Pan e Wendy bem o sabem. As Selkies, Mulheres Focas da mitologia irlandesa, se despem juntas sob a luz da lua, experimentando seus corpos humanos. As Russalkas, Sereias eslavas, estraçalham o homem que por acaso faça mal a uma irmã; são Mênades aquáticas, mas não estão sob a égide de nenhum Dionísio. Não deixam passar em branco qualquer atitude agressiva masculina. Quando estão nos seus cardumes femininos, o que transparece é a paz que reina entre elas. Se o cenário é brusco, se ajudam em uma tempestade.



O que eu quero dizer no final das contas, é que é preciso (e possível) integrar a Sereia de forma consciente para que ela não irrompa de modo inconsciente. Reconheça a sua Sereia, seu canto sedutor e melódico e a integre à sua personalidade consciente. Sem que para isso, precise magoar a mulher que está ao seu lado e dentro de você.

Saiba que com certeza vai sair ganhando se ao menos conseguiu repensar sua Sereia. Olhe para uma imagem qualquer de uma Mulher-Peixe. Sinta aonde ela lhe toca e o que ela lhe diz.

Do momento em que você conseguir perceber a sua Sereia interior na Sereia de qualquer outra mulher, ela deixa de ser uma rival. E para captar isso, basta que, ao menos por alguns momentos, você feche os olhos e se imagine com suas irmãs sob a Lua Negra.

Ou então, no fundo do mar.

Em Cy,
Zoe de Camaris

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BIBLIOGRAFIA

HARDING, Esther. Os Mistérios da Mulher. São Paulo: Paulinas, 1985.
SANFORD, John. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulinas, 1987.

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