segunda-feira, novembro 28, 2005




síndrome de don juan



ele te olha de lado

você o olha da esquina

no seu olhar uma cisma

no dele muito pouco caso



de repente se aproxima

com o freio-de-mão puxado

e vai apertando o passo

enquanto sobe adrenalina



você vai se sentir mais bonita

ele vai perceber no ato

é quando don juan já não despista

parte para o contato imediato



mas se no dia seguinte você liga

ouve uma voz do outro lado

ele saiu com uma cara esquisita

e não deixou nenhum recado



Marcos Prado
1961-1996

terça-feira, novembro 22, 2005

870


Primeiro Ato é achar,
Perder é o segundo Ato,
Terceiro, a Viagem em busca
Do “Velocino Dourado”

Quarto, não há Descoberta —
Quinto, nem Tripulação —
Por fim, não há Velocino —
Falso — também — Jasão.

Emily Dickinson
Tradução de Paulo Henriques Britto

segunda-feira, novembro 14, 2005


9 poemas






chega de rosas e azul. todos pistilos de uma só vez - os que estavam guardados na pasta de buquês.

mônicas cromáticas para alice ruiz, marcos prado, greta benitez, paul celan, thadeu wojciechowski, cláudio daniel, virna teixeira e para zoe que me camaris.
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a natureza do eterno

que flor é esta?
finge que morre
e quando menos se espera
é flor indo, flor vindo, floresta em festa

que flor é esta
que sempre resta?


Alice Ruiz




Exata

Rosa náutica
Rosa dos ventos
Rosa crítica
Seria a flor totalmente estática?
Seria a vida extremamente prática?
Onde ficaria a política?
Se o mistério da ótica fosse a temática
Pra que serviria a matemática?
Se a crise enfática sobrevivesse ao fato
Se a música poética não tocasse o tato
Qual seria a finalidade da flor?

Greta Benitez




entrix

a mulher
sim a flor
na ante sala

a mulher
sim o amor
no após sala

a mulher
sim a música
olhares jimi hendricolados

a mulher
na protuberância de suas pétalas
o que te diz?

entrix
nós e a flor
o infinito lá fora

thadeu wojciechowski




BOBAGENS DE VERÃO


ei, benzinho, encara comigo um frio de rachar
num vagãozinho flor-de-rosa?
OK, eu empresto a almofada e meus sonhos
azuis pro teu sono
suaves ninhos de beijos no seu rosto gelado,
só de brincadeirinha

vê se dorme de uma vez, fecha o canto dos olhos
esse filme é ruim de rachar
franksteins de farda
vampiros caolhos
e outros demônios
negros, adoráveis lobos

e aí, só de sacanagem, escorro meus dedos na sua cara
meu caro
um beijo molhado no pescoço,
uma aranha tresloucada

e você, tolinho, morto de susto, dirá:
socorro!

e perderemos nosso tempo
a procurar coisa alguma
porra, como esse
trem viaja depressa


Zoe de Camaris
p.s.: uma tradução infiel e bem mau-humorada para Rêve pour l'hiver, de Monsieur Rimbaud, rascunhada no verão de 98 na Ilha do Mehl.




minha flor
já matei muita
roseira no peito
já nadei muito
mar de rosa
atrás do seu cheiro
cio e ácido
navalha maravilhosa
sangue plácido

Marcos Prado


FLORBELA ESPANCA

bata na flor que te ama
dedo na pétala aveludada
toca o todo morde tudo
demoro muda e amada

bata, bata,

bata na flor aliada
na rima consagrada
seiva que se quis sílaba
bata na flor abstrata

bata, bata,

bata na flor que te ata
vermelha, puta, feiticeira
a flor que incendeia
carnívora cilada

bata, bata,

bela e bélica
ama e mata
bata, bata, bata.


Zoe de Camaris
1999




CALÇADA


pequeno, o
frágil
corpo
soluça

vermelha,
a flor
entre os
dedos


virna teixeira



Até cinzas


Talvez
pétala, bailado
mudo, ardência:
aqui
é onde a seda
inflama o azul
em amarelo
(fosse tingida
em volátil púrpura,
cicatriz esculpida
em outra voz).
Algo de felina,
ruidosa volúpia
em seu desejo,
que se consome
até cinzas.


Cláudio Daniel





ESTOU SÓ, arrumo a flor de cinzas
no vaso cheio de maduro negrume. Boca-irmã,
falas uma palavra que sobrevive diante das janelas,
e escala muda o que sonhei, em mim.

Eis-me na flor da hora murcha
e poupo uma resina para um pássaro tardio:
ele traz o floco de neve na pluma vermelho-vida;
o grãozinho de gelo no bico, e atravessa o verão.

Paul Celan


segunda-feira, novembro 07, 2005



A FLOR DO DIABO
Cruz e Sousa

Branca e floral como um jasmim-do-Cabo
Maravilhosa ressurgiu um dia
A fatal Criação do fuIvo Diabo,
Eleita do pecado e da Harmonia.

Mais do que tudo tinha um ar funesto,
Embora tão radiante e fabulosa.
Havia sutilezas no seu gesto
De recordar uma serpente airosa.

Branca, surgindo das vermelhas chamas
Do Inferno inquisitor, corrupto e langue,
Ela lembrava, Flor de excelsas famas,
A Via-Láctea sobre um mar de sangue.

Foi num momento de saudade e tédio,
De grande tédio e singular Saudade,
Que o Diabo, já das culpas sem remédio,
Para formar a egrégia majestade,

Gerou, da poeira quente das areias
Das praias infinitas do Desejo,
Essa langue sereia das sereias,
Desencantada com o calor de um beijo.

Sobre galpões de sonho os seus palácios
Tinham bizarros e galhardos luxos.
Mais grave de eloqüência que os Horácios,
Vivia a vida dos perfeitos bruxos.

Sono e preguiça, mais preguiça e sono,
Luxúrias de nababo e mais luxúrias,
Moles coxins de lânguido abandono
Por entre estranhas florações purpúreas.

Às vezes, sob o luar, nos rios mortos,
Na vaga ondulação dos lagos frios,
Boiavam diabos de chavelhos tortos,
E de vultos macabros, fugidios.

A lua dava sensações inquietas
As paisagens avérnicas em torno
E alguns demônios com perfis de ascetas
Dormiam no luar um sono morno...

Foi por horas de Cisma, horas etéreas
De magia secreta e triste, quando
Nas lagoas letíficas, sidéreas,
O cadáver da lua vai boiando...

Foi numa dessas noites taciturnas
Que o velho Diabo, sábio dentre os sábios,
Desencantado o seu poder das furnas,
Com o riso augusto a flamejar nos lábios,

Formou a flor de encantos esquisitos
E de essências esdrúxulas e finas,
Pondo nela oscilantes infinitos
De vaidades e graças femininas.

E deu-lhe a quint'essência dos aromas,
Sonoras harpas de alma, extravagancias,
Pureza hostial e púbere de pomas,
Toda a melancolia das distancias...

Para haver mais requinte e haver mais viva,
Doce beleza e original carícia,
Deu-lhe uns toques ligeiros de ave esquiva
E uma auréola secreta de malícia.

Mas hoje o Diabo já senil, já fóssil,
Da sua Criação desiludido,
Perdida a antiga ingenuidade dócil,
Chora um pranto noturno de Vencido.

Como do fundo de vitrais, de frescos
De góticas capelas isoladas,
Chora e sonha com mundos pitorescos,
Na nostalgia das Regiões Sonhadas.


Stephen Funk / Devil in the Rose Garden