"A poesia é apenas a evidência da vida. Se sua vida está queimando bem, a poesia é só a cinza" - LEONARD COHEN
sábado, julho 31, 2004
Dois Poemas de Greta Benitez
Meu Herói
Pinto as unhas
os olhos e o coração de preto
encho os pulmões de fumaça e ar
esperando o dia
em que o Batman vem me salvar
Comics
O sax me injeta ciúmes na veia
Barítono ambíguo
Homem-aranha, moça feia
Ela, sem notar, arquiteta a teia
E vira mulher-gato
olhe a foto
Homem-mosca, mulher-porcelana
Todos fazem parte da trama.
Eu, moça-vitral, fruta cristalizada
Será que sou amada?
Greta Benitez
http://www.geocities.com/gretabenitez/
Felinas Brasileiras
A Avó dos Jaguares Demoníacos - Mito Guarani Mbyá. Chamada de Senhora dos Ossos Inúteis, é quem deixa gêmeos míticos para secar ao Sol colocando-os sobre uma yrupe - pequena cesta dos Mbyá usada para a farinha do milho ou da mandioca. Alguns mitos dizem que a primeira mulher foi encontrada debaixo de uma vasilha de barro. Em outros episódios essa mesma mulher é escondida em uma peça similar pela Avó dos Jaguares Demoníacos no intuito de protegê-la da ferocidade de seus netos (ESCOBAR, 1993).
A Mulher-Onça – Tradição dos nativos Botocudos. Um casal está acampado na mata. A mulher pede ao homem que a deixe só, quer transformar-se. Pinta-se e, em seguida, converte-se em onça mas do ombro para cima continua sendo gente. Então chama o marido que fica bastante surpreso e lhe pergunta como viveria doravante na sua companhia. A mulher-onça pede ao marido que espere e corre mata adentro, onde mata dois porcos. Um, ela dá para o marido, o outro devora sozinha. A mulher sempre leva comida para o homem, mas não permite que ele se aproxime dela. Um dia a cabeça de mulher transforma-se em cabeça de onça e ela se torna uma onça perfeita. Em um mito Kamakã, uma mulher jovem morre e ressuscita como onça. Quando seu marido vai chorar sobre o túmulo, lá está ela, tampando a boca para que ele não lhe veja os dentes. Quando ele deita a cabeça no seu colo, ela o mata. Mas a mulher se deixa amarrar pelo irmão e este a solta no mato (NIMUENDAJÚ, 1986).
Mulher-Jaguar – Mãe de Yeba Kumu, que é seu filho com Sol primordial, Yeba Haku [Hugh-Jones 1976]. A Mulher Jaguar aparece novamente como irmã de Meni Kumu quando é chamada de Mãe dos Jaguares-Trovão, no mito de Méneri-Ya. Yeba significa "Jaguar" e também "Terra" (HUGH-JONES, 1979). Curiosa sinonímia.
Noitu – Mitologia Kamaiurá, Tupi-Guarani. Palavras-Chave: CAÇA E ANIMAIS SELVAGENS; SOL E DIA; LUA E NOITE, DEUSA JAGUAR. Mãe do Sol, Kuat; e da Lua, Yai, presente na região do Mato Grosso (ANN & MYERS IMEL, 1993).
sexta-feira, julho 30, 2004
Big Day
-lodger-
it's watery coffee
at two o'clock
crawl from the hotel
an abandoned dog
nickel slots
and coke
lucky strikes
are my holy smokes
it's gonn a big day
biggest day of them all
day old soup
at Careful Kitty's
one straight drink
helps me feel less shitty
wet face in the mirror
and a hopeful wink
time to hit the tables
time to think
http://hkkk.fi/~laari/lodger/lodger.html
http://koti.mbnet.fi/reagan/lodger/ilove.html
Dai-me a serenidade necessária ...
Zoe
p.s.: há que se crescer um dia, superar os ritos de iniciação pubertária. Vilma tem uma palestra e um artigo publicado que especula as raízes antropológicas e as correlações simbólicas do "ato de fumar" com os antigos mitos do fogo e passagens bíblicas. Nem contra, nem a favor, muito pelo contrário. Eu é que ando tossindo demais.
quinta-feira, julho 29, 2004
Água Viva (um trecho)
Espero que você viva "X" para experimentar a espécie de sono criador que se espreguiça através das veias. "X" não é bom nem ruim. Sempre independe. Mas só acontece para o que tem corpo. Embora imaterial, precisa do corpo nosso e do corpo da coisa. Há objetos que são esse mistério total do "X". Como o que vibra mudo. Os instantes são estilhaços de "x" espocando sem parar. O excesso de mim chega a doer.
E quando estou excessiva tenho que dar de mim. Como o leite que se não fluir rebenta o seio. Livro-me da pressão e volto ao tamanho natural. A elasticidade exata. Elasticidade de uma pantera macia.
Uma pantera negra enjaulada. Uma vez olhei bem nos olhos de uma pantera e ela me olhou bem nos meus olhos. Transmutamo-nos. Aquele medo. Saí de lá toda ofuscada por dentro, o "x" inquieto. Tudo se passara atrás do pensamento. Estou com saudade daquele terror que me deu trocar de olhar com a pantera negra. Sei fazer terror.
"X" é o sopro do it? é a sua irradiante respiração fria? "X" é palavra? A palavra apenas se refere a uma coisa e esta é sempre inalcançável por mim. Cada um de nós é um símbolo que lida com símbolos - tudo ponto de apenas referência ao real. Procuramos desesperadamente encontrar uma identidade própria e a identidade do real. E se nos entendemos através do símbolo é porque temos os mesmos símbolos e a mesma experiência da coisa em si: mas a realidade não tem sinônimos.
Clarice Lispector
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Foi curioso descobrir que a poeta Marly de Oliveira escreveu "A Suave Pantera" depois de um passeio ao zoológico com Clarice Lispector e seus filhos. Marly observava a pantera negra, brilhante como uma jóia. De repente uma criança atira uma pedra e a pantera mostra a fera em fúria. Conta a filha de Marly, Monica Moreira, que sua mãe foi para casa pensando na suavidade inicial da pantera, sua noção do presente sem consciência do passado e sem projetos futuros, presa atrás das grades. Marly percebeu que a pantera só queria ser livre. Grata à Monica Moreira por me brindar com o testemunho de Marly.
terça-feira, julho 27, 2004
Perfume de Pantera - estratégias fatais de sedução
Preferir a pantera ao anjo,
Condensar o vago em preciso
João Cabral de Mello Neto
A Sedução é o "artifício do mundo", palavra de Jean Baudrillard. Na religião, a sedução é considerada uma estratégia do Diabo, que poderia encarnar-se em uma bruxa ou em um amante - um desvio de rota. A Lilith dos textos apócrifos, primeira mulher de Adão, é um protótipo da Sedução.
O poder da Sedução é mais forte do que a Realidade porque é inesperado. Para o pensador francês, Sedução é Aparência e por isso, pode mais do que a Verdade - questão polêmica, é claro.
A falta de sentido da Sedução derrubaria facilmente a projeção de sentido a que damos o nome de Realidade. Simplificando, na terminologia baudrillardiana, a Realidade equivaleria ao sentido de “produção”, ou seja, qualquer trabalho a ser realizado. Quando saímos dos limites do que chamamos de Realidade, e entramos no excesso - onde perdemos o sentido de Realidade - penetramos em uma esfera sobre a qual não temos nenhum controle.
Exemplos: uma mulher sai para trabalhar e é seduzida por um homem misterioso que cruza o seu caminho; um artista é atraído por um novo conceito em arte; uma publicidade nos seduz com um teaser. Em todos estes casos, experimentaríamos um enfraquecimento das nossas projeções usuais de sentido, deixando-nos prender pelo novo.
A Sedução, situação imprevista, é mais forte que a Produção - o trabalho a ser realizado. A Sedução desvia, desordena, se funde com nossas projeções e em casos mais graves, anula a Produção. A Sedução está ao lado do Caótico que, por definição, não se sujeita a nenhuma Produção.
Baudrillard dedica todo um livro ao tema. E nos oferece um dado importante, o seu caráter dialético - Toda Sedução é uma Não-Sedução ou vem de uma Não-Sedução. Como? Isso mesmo. A Sedução funciona melhor na ausência do que na presença.
Pessoas “verdadeiramente” sedutoras possuem uma aura de encantamento e mistério que foge à capacidade de qualquer explicação sensata. Seduzem por um artifício natural - porque são sedutoras e ponto. Emanam algo indefinível e altamente atrativo. Não podemos esquecer também daquelas que montam suas táticas como estratégias de guerra, entre minuciosos cálculos e maquinações. A Sedução sofisticada atua por mecanismos estéticos, sutis, como por exemplo ... bem, melhor não entrar em detalhes.
Deixemos de lado os estereótipos do sedutor - o D. Juan Grudento e a Sereia Derramada. Suas táticas são infantis e com um mínimo de know how por parte das “vítimas”, têm seus ardis facilmente desmantelados. A Sedução vulgar atua por insistência. E então, já não é sedução.
O Encanto atua na esfera do ocultamento, do que foge à compreensão imediata. É máscara, é maquiagem, é perfume. Para que seja efetiva, a Sedução mascara.
Dentro da proposição dialética de Baudrillard encontramos o terceiro termo: A Sedução, sendo uma Não-Sedução – signo vazio - é também uma Auto-Sedução. Antes de seduzir o Outro, sou vítima da Sedução. O sedutor é sempre um seduzido. Só se seduz o que já nos seduziu. E é nesse momento que a Pantera cai em sua própria armadilha.
O Perfume
Cheiro de jasmim, uma casa deserta - estanco o passo imediatamente: os primos, a casa de minha avó. Pequenos olhos rasgados de afeto, portrait tridimensional. Balas de canela na língua, o contato do seu braço; xale negro de lã grossa roçando a face rosada de criança. O grito de Serginho - onde estão os gibis velhos? Dentro do baú. As revistas estão dentro do baú.
Tudo isso em um átimo de segundo. Sensações múltiplas escorregando ao mesmo tempo: visão, tato, paladar, audição. Estou atrasada, tenho que entregar um texto na redação. Mas nada impede que o perfume do jasmim venha e me envolva. Sou presa do seu fascínio cheio de lembranças. Invade repentino, num arrebatamento silencioso. O perfume é momentâneo e fugaz mas age bruscamente, procurando com seus etéreos dedos, memórias no meu arquivo cerebral.
Vivemos a mercê do olfato, o mais primitivo dos sentidos. A memória olfativa, a mais duradoura das memórias, está ligada ao sistema límbico, área cerebral que é responsável pela produção das emoções e que por sua vez está vinculado ao hipotálamo, região do cérebro que coordena os hormônios causadores dos impulsos instintivos e sexuais.
O feromônio, um hormônio exalado por animais e também por pessoas em busca de um companheiro, é uma substância atrelada às reações inconscientes e instintuais. Hoje, sintetizado, encontra-se à venda para quem conta com essa estratégia para atrair parceiros sexuais, já que escondemos nosso cheiro habitual com perfumes sintéticos.
Será que funciona? Creio que é bem mais interessante deixar que o nosso próprio feromônio recenda, já que é inato. No entanto, cada caso é um caso, e cada qual sabe a quantas anda o seu poder de atração. E depois, um perfume usado com discrição cria uma outra química, somado ao nosso cheiro natural.
A indústria de perfumes soma bilhões de dólares por ano. As grandes griffes não sobrevivem apenas das coleções de alta costura. Perfume dá ibope, o que não é novidade nenhuma. Cartier, um joalheiro aficionado pela pantera, criou diversas jóias tendo o negro felino como inspiração. E em 1987 lançou Panthère, uma fragrância imortal.
Plínio comenta que na cidade de Tarso existia um perfume muito raro e cobiçado: o Panterico. Mas e além do perfume de Cartier e do Panterico, qual a relação entre os aromas, a sedução e a pantera?
A Pantera
É Aristóteles em Animalium historia que funda um momento crucial na história mítico-fisiológico da pantera ao referir-se ao seu hálito perfumado, tradição esta retomada por Teofrasto e Plínio. A pantera seria o único animal a possuir o poder de encantar através do perfume. E Aristóteles constrói, em Problemata inedita, o tripé básico que configura as funções do felino: a caça, a atração (o hálito perfumado) e o engano pela beleza - marcado pela variação de sua pele, símbolo da instabilidade psíquica, da inteligência, da astúcia e da eroticidade.
Antes de dar o bote, é bom lembrar que ao nos reportarmos à Pantera (negra por excesso de melanina), buscando como referência textos clássicos e medievais, falamos também do Leopardo. Aventa-se que os autores estejam mencionando mais especificamente o Guepardo, bastante freqüente na Pérsia, já que no mundo grego a pantera é um animal sobretudo oriental. A Potnia Théron cretense, Senhora dos Animais, que tem traços em comum com a deusa Cibele, da Ásia Menor, é freqüentemente nomeada “A Senhora da Pantera”.
São três as estratégias fatais de Sedução da pantera: saber fingir-se de morta, atrair pela beleza do pêlo e através do perfume.
Eliano, ao relatar os costumes da Mauritânia, conta que a pantera finge-se de morta para capturar símios. Cerra os olhos e deixa as patas lassas em torno do corpo. Os macacos, desconfiados, ficam em suas árvores, observando-a. O tempo passa. O macaco mais atrevido desce e verifica, cuidadosamente. Repara se seus olhos já não se mexem, se não respira. Os outros macacos, ao notarem que o colega não corre perigo, acreditam no seu desejo e, sentindo-se seguros, descem das árvores. Acham que o animal está "morto" e saltam e pulam sobre seu corpo, menosprezando sua força e coragem, fazendo micagens. Nesse momento a pantera, que já tem sobre si todos os macacos que deseja devorar, com a rapidez de um raio os despedaça com suas garras e dentes afiados como se estivesse vingando-se daqueles que depreciaram a sua esperteza, recuperando a realeza e a supremacia.
O mesmo autor nos conta sobre o fascínio que a pele sarapintada da pantera causa nas ovelhas, que se quedam enlevadas ao admirá-la. A paralisia pelo fascínio. O animal, sabendo disso, deixa que as ovelhas aproximem-se e esconde a grande cabeça para não assustá-las. Apenas seu corpo fica descoberto. O desenlace do episódio é trágico: o objeto de contemplação passa ser objeto ativo - recupera sua ferocidade oculta e devora, sem maiores delongas, o contemplador.
Já ouvi menções que o mesmo ocorreria com o ser humano que se depara com a fera. Matteo Meschiari sublinha o que ocorreu a Livingstone, o explorador, entre outros que tiveram sensações semelhantes, ao sobreviver ao ataque de um grande felino: "o contato físico com o predador acontece em condições similares a um sonho de olhos abertos, em estado de privação sensorial quase prazeroso. O homem não reage, o cérebro anestesia o corpo, se instaura uma cumplicidade entre presa e predador para que tudo acabe o mais rapidamente possível". Um entorpecimento dos sentidos, quase um prazer sensual, toma conta da vítima. Os dedos rendados da morte são desejados, a pantera hipnotiza. Humanos: "sensualmente perdedores, voluptuosamente dominados". Não é possível fugir – resta entregar-se.
Mas a arma mais poderosa e sutil da pantera é o perfume.
A Pantera servir-se-ia do seu hálito perfumado para caçar e atrair suas presas que, sentindo sua adocicada suavidade, aproximam-se, fascinadas. As cabras e outros animais amigos do perfume seriam suas vítimas preferidas. Escondida atrás de frondosas árvores, é só uma questão de tempo para que se lance sobre os outros animais.
Teofraso compartilha da opinião de Aristóteles acerca do perfume da fera: uma qualidade que não é dividida com nenhum outro animal. Aristóteles chega a afirmar que a pantera é o único animal perfumado. Ninguém passaria incólume ao seu perfume, ao contrário, atirar-se-ia em direção ao aroma.
No entanto, reafirmando a visão de Baudrillard, o sedutor é, antes de tudo, o seduzido que se inebria com suas próprias qualidades projetadas - a pantera também é atraída pelo perfume. Nada funciona em via de mão única.
Oppiano, no seu poema sobre a caça - Cynegetica, sustenta que um dos meios para capturar a pantera consiste em aspergir vinho nas proximidades do lugar onde ela bebe água. A Pantera não resiste ao vinho e se embriaga facilmente. Ébria, mênade, de fera predadora vira presa. A tradição remonta aos cultos dionisíacos - sabemos que a pantera é um animal dedicado a Dionísio, deus do vinho e das orgias.
Filostrato, na Vida de Apolônio de Tiana, narra que as panteras da Armênia procuravam a floresta da Panfília, rica em essências balsâmicas, sentindo-se atraídas por seu forte odor. A pantera tem uma curiosa preferência pela árvore de cânfora, tomando-a como morada. Não permite que ninguém se aproxime dela, o que nos mostra um lado sensível e cheio de zelos, do intrigante animal.
E detesta o cheiro de alho. A pantera, como uma mulher caprichosa, cultiva seus estranhos gostos. De fato, para Aristófanes a cortesã sedutora e perfumada (felina, portanto) é uma pantera. Na peça Lisistrata, o desejável corpo da mulher, enfeitada com belas vestes e perfumada, é um felino deste tipo. Marcel Detienne irá observar que a caça e o amor não são pólos antitéticos mas sim correlatos. Parece óbvio, mas a conhecida armadilha continua em pé - e saber da sua existência não contribui para que suas vítimas escapem.
O estratagema das panteras difere: seduz as cabras - animais indóceis – com seu perfume; as ovelhas, com a visão de sua pele, que as paralisa. Para as cabras existe um substrato impalpável e quimérico servindo como intermediário, à diferença das ovelhas, encantadas com a exibição do corpo fascinante. A cabra não deseja a pantera mas sim o que é anunciado pelo seu perfume, que ela talvez julgue como uma emanação da perfeição. As ovelhas são seres simples, e essa ingenuidade é persistente. As cabras são caprichosas, mas o capricho é uma qualidade fugaz. Por isso mesmo, a Pantera faz mais vítimas entre as ovelhas (DETIENNE).
Os macacos não são atraídos pela pantera por uma emboscada de caráter estético e perverso, como as ovelhas e as cabras, mas sim por um complexo sentimento que poderia definir-se como a alegria dos pequenos, das vítimas ante a morte do sedutor, do forte - também do assassino, do tirano (NIETZSCHE). Os símios, homenzinhos triviais e de pouco juízo, sempre em estado de ebulição e continuamente agitados pelo som da flauta pânica das aparências - celebram a morte do Fulgor, da mortal sedutora. É um regozijo cego e egoísta, abismal, pois acreditam que mataram quem é capaz de trucidá-los fingindo-se de morta. No seu tresloucado desassossego, não percebem também desta vez que o artifício é sempre o mesmo - estender-se, e que, no final, aquela que se dá arrancará a máscara e voltará a espalhar a destruição.
Corre a lenda que as panteras, apesar de ferozes com o resto dos animais, são entre si seres bastante sociáveis e cordiais. Defendem seus filhos e se comportam decentemente com seus amigos, seja na sorte ou no infortúnio. Eliano conta que um caçador tinha em sua casa uma pantera mansa e um cabrito que haviam se tornado bons amigos. O cabrito morreu e o caçador lançou-o como alimento para a pantera, mas esta, reconhecendo o amigo, recusou-se a comê-lo, mantendo a mesma atitude durante vários dias, no que pesasse a sua fome. Finalmente o caçador lhe apresentou outro cabrito, que ela devorou sem demora. As panteras são atrevidas e ferozes, mas não alardeiam sua força e violência, ao contrário: freqüentemente oferecem um aspecto exterior tranqüilo, apresentando-se suavemente, com discrição.
Todos estes dados nos levam a pensar: mas será verdade? A pantera realmente tem um odor perfumado? Zoólogos dizem que não - a pantera não apresenta nenhum perfume especial a não ser aquele que emana de todo e qualquer felino saudável e bem tratado, incluindo aí os gatos. Que o inebriante perfume das panteras não passa de lenda. Mas cá entre nós, isso importa? O que temos aí são metáforas. E metáforas são verdades do espírito. A Sedução representa o domínio do universo simbólico, diz Baudrillard.
Envolta em um halo perfumado, exibindo o luxo de sua pele sedosa e atraente, sedenta por vinho, zelosa para com sua árvore de cânfora, a pantera ondula em seu passo elástico por um universo de delícias e crueldades. Uma aristocrata do espírito e dos sentidos.
Bela. Feiticeira. Sedutora. E solitária.
Zoe de Camaris
BIBLIOGRAFIA
O artigo foi composto tendo como referências o livro Da Sedução, de Jean Baudrillard; uma apreciação crítica da mesma obra, feita por Cristóbal Holzapfel da Universidade do Chile; antigos bestiários, entre eles o de F. Cardini - Monstros, feras, animais no imaginário medieval; o estudo Arqueologia das Trevas de Matteo Meschiari, e um texto que encontrei na Internet. Não consegui entrar em contato com os responsáveis pelo site e o texto disponível na web não se encontra assinado e nem dá maiores pistas sobre o autor. Acredito ser uma tradução para o espanhol de algum dos livros de Marcel Detienne, se não me falha o faro e as vibrissas. Os últimos trechos do item "Pantera", em que se discorre sobre as relações similaridade
entre humano e animal, são resenhas do texto em questão.
Que não se perca o prumo
Zoe
segunda-feira, julho 26, 2004
Temperatura Elevada
(...) G. olha pra mim ao pôr do sol. Diz que tenho olhos lilases de crepúsculo. Estende um manto vermelho sobre as ondas do mar e me mostra, ao vivo, um poema de amor.
.............
interdição
metafísica
a fenda descortina o abismo
você quer - não se defende
entre o desejo e objeto de desejo
toda e nenhuma distância
e de prazer se precipita
nos olhos do lince abissal
as pupilas caem lisas
escorrem nas pedras cruas
tão nuas quanto a água do poço
e mergulham solúveis na miragem
você sucumbe
estamos frente a frente
duplos,
em um espelho de obsidiana
Zoe,
ainda cintilando
sexta-feira, julho 23, 2004
Mênades
Zoe de Camaris
BRINCANDO PERTO DA JAULA
O silêncio da pantera é denso,
é feito o silêncio do suspense,
o efeito dos filmes de tensão:
feito Sob o Domínio do Medo,
de Sam Peckinpah.
O silêncio da pantera é suave,
sim, quem há de negar a verdade:
desejamos ver a pantera,
tocar sua negra beleza,
quem sabe mesmo levá-la pra casa.
O silêncio da pantera seduz,
até que se rompe
num rosnado selvagem:
o pavor toma conta
e só nos resta desejar paz.
O silêncio da pantera é a paz.
Ivan Justen
CANÇÃO DE AMOR DA JOVEM LOUCA
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro
Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer
(Acho que te criei no interior da minha mente)
Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis,
Entra a galope a arbitrária escuridão:
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro.
Enfeitiçaste-me, em sonhos, para a cama,
Cantaste-me para a loucura; beijaste-me para a insanidade.
(Acho que te criei no interior de minha mente)
Tomba Deus das alturas; abranda-se o fogo do inferno:
Retiram-se os serafins e os homens de Satã:
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro.
Imaginei que voltarias como prometeste
Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome.
(Acho que te criei no interior de minha mente)
Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão
Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro:
(Acho que te criei no interior de minha mente)
traduzido por Maria Luíza Nogueira
in A REDOMA DE CRISTAL,1971.
SPECIAL
Especialista em desinventar amores, desinvento você, papel de vento.
Especialista em fazer de conta, viro outra história de amor.
Pilho a página, ninguém vai ler o que escrevi - a bibliotecária, os biógrafos que se danem.
Agora é sua vez.
terça-feira, julho 20, 2004
MAIACÓVSKI
jorge montesino
ALGO MAIS SOBRE A ESPUMA
Escrito em nenhuma parte
A espuma é pó bruma névoa água.
A espuma é esse sonho, a lembrança nebulosa do sonho que não estou seguro de haver sonhado.
A espuma é borra, a espuma pastosa do banquete que me cresce na boca, essa coisa que fica do tempo é a espuma.
É, indubitavelmente, espuma, a honra, a glória, os sobrenomes ilustres, o céu azul, sua intensidade: espuma celestial.
O céu e as nuvens, todas as formas conhecidas de nuvens e ainda aquelas nuvens viventes que se elevam com os campos, as nuvens de gafanhotos, digo: e as nuvens coloridas com as quais Kurosawa ilustrava a morte e as nuvens terríveis, a de Chernobyl, por exemplo; e ainda as nuvens vulcânicas que viajam milhões de quilômetros na garupa do vento para cair sobre o teto do meu carro, grudentas; e ainda o vento tão transparente e a transparência em si, a dos vendavais.
A espuma de teu ventre que se descola entre os lábios de tua vulva acendendo desejo, o fogo incompreensível do peito, o fogo que incendeia os bosques e ainda a espuma, a espuma artificial dos detergentes.
A espuma da boca da mulher de quem bebo as águas essenciais.
A espuma, não é uma coisa espumosa precisamente senão o rastro invisível do vôo do pássaro e a que se vai secando no alto pouco depois do passo de um jato.
A espuma é essa coisa tóxica preta que os ônibus nos jogam na cara, espuma demencial.
O pequeno vale entre dois morros está sempre completamente cheio de espuma que o tempo faz rodar pelas ladeiras.
Sem dúvida uma árvore, um pássaro, um beijo, estão compostos em forma primordial de espuma.
É o que fica de mim quando me vou, eu te digo porque sempre estou indo, é só espuma, minha espuma.
A lã das ovelhas, a que cresce no corpo e a que lhes foi cortada, o de dentro e o de fora, as plumas dos gansos, o pelo do gato que pela casa flutua na porção de ar que o sol nos mostra entrando pela ventarola.
Os cheiros do zoológico, que são o fora do de dentro sujo das feras.
A jaqueta brilhante do domador de feras.
A seda gasta dessa jaqueta.
O instante em que saltam os jogadores de futebol, todos ao mesmo tempo, pretendendo alcançar a bola com suas cabeças.
Um pequeno grupo de árvores encostadas por medo de estarem assim sozinhas no meio da planicie.
As cercas de arame para que o gado não escape, as eletrificadas.
As que separam e as que unem.
As cercas de arame que formam losangos quase idênticos e terminam acima com várias linhas oblíquas de mais farpas, não são acaso a espuma do temor.
A borracha dos pneus que gruda na calçada para sempre.
Além da espuma que o mar nos derrama constantemente, tão bela na distância quando alcança o êxtase em cima da onda, tão pobre e ruim e grudenta sobre a areia suja da praia.
Além dessa espuma está a espuma de que se compõe o pâncreas, para mencionar algumas de minhas vísceras menos queridas, e a fétida espuma dos dejetos que levamos dentro e o perfume das frutas que apodrecem embaixo da figueira e os mesmos figos caídos quando os arranco e lhes devoro o coração rosado e os fungos de cores que infectam a ferida e os brancos fungos que comem a árvore e a fina serragem que os cupins deixam cair em sua delirante festa de madeira.
A espuma é isto que me afoga e outra vez me pergunto: se não é espuma, de que outra coisa somos feitos?
Jorge Montesino
(tradução - Zoe de Camaris)
Leve Consigo
Equivoca-se Maria Rita Kehl quando diz: O AMOR É UMA DROGA PESADA. Não é nada, não é não. Se pesada, não é amor. Pode ser qualquer outra coisa. O que ora se apresenta, não é nem de longe o que eu sei existir. Pensei que alguém sabia o caminho das borboletas mas ninguém sabe de coisa alguma. Eu posso escolher. Por sorte achei o poema, eu e Jorge traduzindo, "Algo más sobre a espuma". Boas lembranças. Alguma leveza. Valeu, Jorge. Respirei aliviada.
sábado, julho 17, 2004
VÊNUS CAT PEOPLE
Música: Laufer
Cientistas Alemães
Genéticos zoólogos
Criaram
Uma vênus cat-people
Saíram atrás da pulsação perdida
No sangue da mais remota felina
No meu corpo corre a espuma do sangue
De antigas leopardas sedutoras
Felina adrenalina pré-histórica
Fernanda cat-people
Vênus cat-people
Sou aquela cujo corpo é sonho
Sou aquela cuja alma é sonho
Desejada fracção do eterno feminino
(FERNANDA ABREU-SLA RADICAL DANCE DISCO CLUB)
quinta-feira, julho 15, 2004
A Suave Pantera
I
Como qualquer animal,
olha as grades flutuantes.
Eis que as grades são fixas:
Ela, sim, é andante.
Sob a pela, contida
- em silêncio e lisura -
a força do seu mal,
e a doçura, a doçura,
que escorre pelas pernas
e as pernas habitua
a esse modo de andar,
de ser sua, ser sua,
no perfeito equilíbrio
de sua vida aberta:
una e atenta a si mesma,
suavíssima pantera.
II
É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura toda alerta,
e ser do princípio ao fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase da sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que se adorna,
uma viva, intensa jóia.
III
Uma intensíssima jóia,
do próprio sangue animada,
tão preciosa, tão preciosa,
que é preciso não tomá-la.
Que duro sangue a vermelha!
Que silêncio a não reparte!
Em si mesma reluzente
a inteira imobilidade.
Mas o ardor, esse deleita,
com que a jóia se transforma,
se se move, no animal
que a própria jóia comporta.
O cuidado - isso extasia -
com que a jóia se transmuta:
com patas, pernas e olhar
onde se extrema outra fúria.
VI
Mas é no amor que essa fúria
alcança de si o máximo.
À parte qualquer luxúria,
à parte a falta de tato,
se se alça e ganha a medida
de seu corpo todo casto,
há que lhe ver a esbelta e lisa
figura de todo lado,
quando toda se descobre
- como um cristal se estilhaça -
amando a vida, ai, amando
a vida que passa, passa.
Tão projetada num sonho,
nem se diria uma fera,
contida, casta e polida,
com tanto furor interno.
V
Com tanto furor interno,
quem a livra, quem a livra
de ser o seu próprio inferno,
de, pelo fogo da ira,
consumir-se estando quieta,
de acabrunhar-se sozinha.
Nem se diria uma fera!
Nem se diria rainha!
As patas pisando o chão
têm uma dura leveza,
os pelos brilhando de ônix,
- de si mesma prisioneira -
caminha de um lado a outro
como pelo mundo inteiro.
Há esmeraldas de silêncio
nos seus olhares acesos.
VI
O olhar tão aceso
revela, revela.
Que força de abismo
na virgem pantera.
Que força de amor
na sua recusa;
o ventre cerrado
- quem julga? quem julga?
e a sua ventura
violenta, sedenta,
ensaiados membros
em surda paciência.
É vaga e concreta,
como que inspirada:
flutua em si mesma,
parada, parada.
VII
Parada, parada,
quase se humaniza,
todo o viço de asas
na cara tranqüila,
flexuosa aspirando
- quem mata, quem mata?
Como uma pessoa
de forma coleada.
No entanto a narina,
no entanto a pupila
- relevos de sombra -
ah, se a denunciam
mais que uma pessoa,
poderosa e bela:
macia, macia,
esplêndida fera.
VIII
Esplêndida fera:
onírica e lúbrica
como pode às vezes
ser uma pantera.
Negra ela rebrilha,
presente a si mesma,
como se invadida
de uma luz avessa,
como adiamantada
de uma luz escura,
afoita e inefável
quem a subjuga?
Afoita e inefável
qual nenhuma besta,
cingida ao que em si
é a sua natureza.
IX
É da sua natureza
ser apenas o que a anima:
uma força elementar
como uma raiva contida,
uma violenta doçura
que bruscamente a delira
de si mesma, de si mesma,
- tão fogosa e volitiva!
Tão puramente animal
na graça oblíqua e felina!
Com uma forma tão espessa
que parece refluída.
Compraz-se em ser o seu corpo
com a mesma selvageria
com a mesma libação
todo o ímpeto se amotina.
X
A forma espessa da pantera,
um tal negrume e tal pelúcia,
às vezes quase que a confundem
com todas as demais panteras,
mas só naquilo que por fora
tem uma existência concreta,
naquilo só que se objetiva
formosamente sobre a relva:
olhos detidos de tão verdes,
corpo luzindo sobre as pernas,
um certo modo de mover-se
sobre si mesma, terna e quieta.
Porque ela é igual só a ela mesma,
se com ardor alguém a observa,
mas por dentro, tão escondida
como no fundo da ostra a pérola.
XI
Como no fundo da ostra e pérola
ela se deita veludosa,
mas anda com patas rebeldes
seu coração com uma glória.
Tem um ritmo de silêncio
a força com que ele desprega
as patas a cada momento,
numa espécie de ânsia secreta.
Violento é o sono do seu corpo,
mas sem aspereza nenhuma,
igual à queda de uma coifa
brusca e silente na verdura,
sem direção, igual à paina
mas uma paina concentrada,
mas uma paina vigorosa,
seu sono cego, cheio de asas.
XII
Se adormece a pantera
ou se acorda suavíssima,
é sempre a mesma fera
repousada e instintiva.
Há quem pense em veludo
ou cetim, contemplado
o pelame felpudo
e o deslizar tão brando.
Quieta ou em movimento,
há qualquer coisa nela
que lembra um monumento
pelo que ele revela:
um certo porte airoso
que o tempo não consome,
e um fruir-se gasoso,
que na fera é uma fome.
XIII
A fome de um bicho
- e mais se é pantera,
não tem o limite
que em gente tivera.
Não é como a fome
violenta, direta,
subjetiva, do homem,
a fome da fera.
A fome de um bicho
é cruel e eterna,
e toda inconsciente,
com uma força interna.
É fome indistinta
espalhada nela,
com íntima fúria
que ela não governa.
XIV
A liberdade da pantera
está justamente nisto:
que nem ela se governa,
e o que sucede é imprevisto.
Essa a vantagem da fera:
uma força que ela abriga,
inconsciente, dentro dela
- sob a aparência tranqüila -
e de repente se revela,
mas uma espécie de fúria,
que atinge inclusive a ela,
mas numa espécie de luta,
que é o modo que tem a cólera
de mostrar-se numa fera,
e que é a sua única forma
de ser pura, além de bela.
XV
Outra vantagem da pantera
é que sendo ela tão precisa,
tão colada ao próprio contorno,
não é, como um mastro, fixa,
e nem se aguça como um mastro,
apesar de constante e seca,
apesar de brilhante e fria
como um mastro ostentar sua seda,
apesar de picar-se toda
como um mastro, de luz marinha;
ela é flexível e se encolhe
(o que já não sucederia
com mastro algum) ou bem se alarga,
em contínuo fluxo e refluxo,
como a onda em espasmos de onda,
fiando-se no seu próprio fuso.
XVI
Além de precisa é ubíqua,
outra vantagem mais forte.
Por toda parte é sensível
sua graça, como um broche,
ou como coisa pousada
e em si mesma repentina:
os olhos onde violetas
cobram cores agressivas,
a cauda suspensa e lisa
como nuvem sossegada,
não solta, não qualquer nuvem,
nuvem presa como uma asa,
o corpo todo concreto,
todo animal, perecível,
e mais uma ânsia por dentro,
de ser livre, livre, livre.
Marly de Oliveira, 1960
o sentido que escapa
"(...) a preocupação de objetivar o poema, sob a lição de João Cabral de Mello Neto, me fez escrever um livro bem curto, intitulado A Suave Pantera, que me deu o prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras, e de que Aurélio Buarque de Hollanda retirou abonações para o seu dicionário, fato que me deu uma das maiores alegrias de minha vida. A percepção não é automática, só aos poucos nos vamos dando conta do que importa realmente, com a seleção natural do tempo. Passei a prescindir do que é bonito, do que agrada, e aceitei a função da linguagem como sentido de algo que me escapava".
Trecho do livro: "Invocação de Orpheu" (4ª capa), Massao Ohno, 1980, SP.
BIBLIOGRAFIA COMPLETA:
1. Cerco da Primavera. RJ, 1958, Livraria Editora São José
Prêmio Alphonsus de Guimaraens, INL 1958.
2. Explicação de Narciso. RJ 1960, Livraria Editora São José
3. A Suave Pantera. RJ, 1962, Lieratura Brasileira
Prêmio Olavo Bilac, Academia Brasileira de Letras, 1963
4. A Vida Natural - o sangue na veia. RJ, Leitura, 1967
6. Contato. Imago, 1975
7. Invocação de Orpheu. SP, Massao Ohno,1980
Prêmio Fundação Cultural do Distrito Federal
8. Aliança. RJ, Nova Fronteira,1980
9/10. A Força da paixão e a Incerteza das coisas. Brasília, Thesaurus, 1984
11/12/13. Retrato - Vertigem - Viagem a Portugal. RJ, Francisco Alves, 1986
Prêmio UBE,1987
14. O Banquete. RJ, Record 1988
Prêmio Pen Clube,1988
15. Obra Poética Reunida. SP, Massão Ohno, 1989
16.O deserto jardim. RJ, Nova Fronteira,1990
17. O mar de permeio. RJ, Nova Fronteira,1997
Prêmio Jabuti,1997 e Carlos Drummond de Andrade,1999
18.Antologia Poética. RJ Nova Fronteira,1997
(Hors Concours Alejandro Cabassa)
19. Uma vez sempre. SP Massao Ohno, 2000
segunda-feira, julho 12, 2004
Sangue de Pantera (1942)
My world, both parts, and both parts must die.
Holy Sonnets V - John Donne
Para quem não sabe, o filme Cat People (1982), de Paul Schrader, que no Brasil recebeu o nome de “A Marca da Pantera”, é um remake do filme “Sangue de Pantera”, B-movie de 1942. É o primeiro filme de Jacques Tourneur produzido por Val Lewton - uma obra prima do suspense, marca do cinema noir.
O roteiro de DeWitt Bodeen é muito diferente do filme estrelado por Natassia Kinski e Malcolm McDowell nos anos 80. No filme de 1942, a trama acontece sem a presença do irmão e sem a sombra do incesto. As diferenças não param por aí, já que em Sangue de Pantera (o título original é o mesmo, Cat People), os efeitos especiais são criados em jogos de luz e sombra que mais sugerem do que mostram. A transformação de Irena em pantera é insinuada, metaforizada. O diretor quase abandonou o filme pela metade quando a direção da RKO insistiu que uma pantera verdadeira aparecesse em duas cenas, no lugar da atriz. Tourneur também se mostra um expert no uso do som, sabendo criar com maestria a atmosfera de suspense. A tensão é crescente em cenas longas e sem cortes; os diretores lidavam com orçamentos escassos e o que valia mesmo era a criatividade e não os efeitos mirabolantes dos filmes de terror atuais - o público padrão mudou e já não tem paciência para sutilezas (será?)
Em Sangue de Pantera, Irena (Simone Simon) é uma emigrante dos Balcãs que se casa com Oliver (Kent Smith), um arquiteto de Nova Iorque. O fundo mítico é a lenda sérvia das mulheres-pantera que, ao se relacionarem sexualmente, se transformam em felinas e matam o parceiro. As mulheres-gato são descendentes das bruxas executadas pelo Rei João da Sérvia na época medieval. O pai de Irena teria sido morto pela esposa-pantera, depois da transa.
Se Irena despertar a fera...
O marido, inconformado pela não-consumação do casamento, leva a esposa para consultar um psiquiatra. O analista é rendido pelo poder de sedução de Irena. Simone Simon foi bastante elogiada pela crítica, seus maneios sensuais e até agressivos diferenciam-se bastante do clima clean da atuação da gatíssima Natassia Kinski na versão de 82. Natassia não imprime o aspecto de voluptuosidade à sua personagem, ao contrário - parece estar sempre relutante e assustada com a sua estranha condição e triste destino. Enquanto Irena-Simone tem maneirismos felinos respaldados pelas inúmeras imagens de gatos e panteras que surgem durante o filme, Irena-Natassia escorrega de forma mais sutil. Exceção feita ao ciúme, quando entra em jogo. Emoções fortes, pelo jeito, também podem transformar mulheres em panteras e nesse momento, as duas personagens, de 1942 e 1982 (exatos quarenta anos separam um filme do outro), têm atitudes bastante parecidas. Enquanto Irena-Simone conta para o psiquiatra os seus tormentos, Oliver estreita relações de maior cumplicidade com uma colega de trabalho, Alicia (Jane Randolph) que será perseguida por Irena em uma das passagens que consagrou o filme, a cena da piscina. Irena-Natassia também não deixa barato – a rival dança bonito.
Sangue de Pantera é uma história em que coloca em cheque o adultério com uma abordagem que, na década de 40, mereceu os aplausos das feministas. Não raro, o papel de “monstro” ou de “salvador” era reservado ao homem - à mulher cabia o papel de vítima. Nesse caso, a figura feminina é quem causa temor e a energia de Irena-Simone durante o filme é espetacular. Isso não acontece em Cat People de Paul Schrader (1982) em que o irmão de Irena, representado por Malcolm McDowell, ganha o papel “principal” - pelo menos em termos de força de ataque, pois assim que o desejo aparece, o homem-pantera sai e mata. Ele é o vilão da trama, personagem principal (o trabalho de corpo do futuro Calígula é perfeito). Na versão de Tourneur, Irena-Simone mantém sob controle dois homens, o marido e o psiquiatra. E não entrega seu destino nas mãos de homem algum como faz a personagem de Schrader. A mulher-pantera de Tourneur em nenhum momento é enjaulada, mesmo que seu fim não seja nenhum manjar de coco.
Bem, não vou contar a história porque não sou desmancha prazeres e esse filme, imperdível, não é conhecido como o Cat People dos anos oitenta. Sangue de Pantera acabou de ser lançado em DVD e traz no vácuo uma outra raridade: o filme The Curse of the Cat People (1944) A Maldição da Pantera, mais uma produção de Val Lewton. A RKO, tentando aproveitar o sucesso anterior, conservou os mesmo atores e personagens. No entanto, o universo ficcional é completamente outro. O filme gira em torno das dificuldades e traumas de uma criança e não se refere a nenhuma pantera: o casal formado por Oliver e Alicia tem uma filha que vê o fantasma da primeira esposa do pai.
Há quatro anos foi anunciado que Will Smith iria produzir um remake do clássico dos anos 40 ambientado nos anos 90, em Nova Iorque. O que nos dá a certeza que o tema da mulher-pantera continua fascinando gerações. Dá pra entender.
Zoe de Camaris
toque de recolher
a América de Baudrillard
se perde no centro de Mariana
a mesa branca imita a lua cheia
pedais fosforecem à beira do olhar astigmático
carros escorrem no sinal vermelho
conhecido, um acorde antigo
ensurdece os ruídos
o mundo é um pano de fundo
e através dele transito você
eu, e na ponte pensamento de seus passos
leio as rodas, os apetrechos de viagem, suas notas
o dedo no interruptor do poema
o meu corpo em emergência
despedaça-se em mil estrelas-letras
e, ora névoa obnubilando a noite
ora luz alta no retrovisor
visita o seu caminho
entre imensos desertos e estradas absurdas
a presença absoluta
desloca o coração da cidade
aqui passeia o invisível
fecho o livro, abro os olhos
e vou embora
Zoe de Camaris
Mariana, 1999
domingo, julho 11, 2004
sábado, julho 10, 2004
Uma questão para Mercúrio
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?"
Carlos Drummond de Andrade,
PROCURA DA POESIA
quinta-feira, julho 08, 2004
PERSEGUIÇÃO
Algum dia vou morrer graças a ela;
Sua gana ateou fogo nas florestas,
Ela espreita, envolvente como a lua.
Muito macio e suave desliza seu passo,
Avançando sempre pelas minhas costas;
Da cicuta soturna, gralhas gritam desastre:
A caçada começa, o cerco está armado.
Esfolado por espinhos eu percorro pedras,
Ressecado pelo calor branco do meio-dia.
Ao longo da rede vermelha de suas veias
Que fogos correm, que desejos despertam?
Insaciável, ela explora e pilha o território
Condenado pela falha de nossos ancestrais,
Gritando: sangue, que o sangue jorre mais;
Carne tem que encher na sua boca o rasgo novo.
Afiados os dilacerantes dentes e doce
A chamuscada fúria de sua pelugem;
Seus beijos deixam crestas, as patas, fuligem,
Só um juízo final consumirá sua fome.
No rastro da grande felina encarniçada,
Acesos como tochas para sua diversão,
Homens tostados e devorados no chão
Tornam-se iscas da sua fúria esfomeada.
Morros já tramam perigo, a sombra se incuba;
A meia-noite encobre o bosque opressor;
A saqueadora negra, atrelada pelo amor
Nos quadris fluentes, me força à fuga.
Por trás do matagal confuso dos meus olhos
Fléxil ela espera; na emboscada dos sonhos,
Brilhantes as garras que estraçalham corpos
E famintas, famintas, suas tensas coxas.
Seu ardor me enlaça, incendeia as árvores,
E eu fujo com minha pele já flamejante;
Que acalanto, que alívio será frio bastante
Quando esse olhar amarelo queima e marca?
Lanço-lhe meu coração para frear seu ritmo,
Desperdiço sangue para saciar sua sede;
Ela come, mas não alivia sua ansiedade,
Que requer compulsiva um total sacrifício.
Sua voz me alicia, me enfeitiça em transe,
A floresta estripada então desaba em cinzas;
Apavorado por desejo secreto, fujo ainda
De um ataque tão violento e rutilante.
Entrando na torre dos meus medos sentidos,
Fecho as portas da minha culpa mais sinistra,
Eu tranco a porta, tranco toda e cada porta.
O sangue acelera, retumba nos ouvidos:
Os passos da pantera vêm pelas escadas,
Subindo mais, subindo mais pelas escadas.
Silvia Plath
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
A Pantera Silvia Plath
Silvia Plath, uma pantera.
Silvia Plath, uma louca genial.
O poema não tinha, até então, uma tradução para o português. Peguei no pé de vários amigos que tentaram suas versões. Alguns, exímios conhecedores da língua inglesa, but... traduzir Plath com suas rimas internas, sua sintaxe e vocabulário... sem chance.
Precisei de um poeta versado e que, ao mesmo tempo, conhecesse as artimanhas da língua inglesa. Custei a encontrar alguém que topasse a empreitada só por causa dos meus olhos verdes. Por graça do destino e paixão por desafios, meu amigo Ivan Justen se mostrou disponível e tirou o espinho da minha pata. Grata, poeta. O espinho estava encravado há três anos.
Zoe de Camaris
quarta-feira, julho 07, 2004
A Pantera Onírica
Devemos ter a coragem de deixá-los ir e vir.
D.H. Lawrence
Olhos cor de âmbar brilham na escuridão da caverna e ela se aproxima lentamente. O que representa a pantera na vida onírica? Diz-se que é um símbolo do desejo, das pulsões reprimidas, dos desejos inconfessáveis. A cor negra, símbolo atávico do inconsciente e a fera, energia sexual, primitiva, instintual. Para se chegar a um consenso (e a uma conclusão apressada), recorrendo ao velho bate-pronto, é um tapa: – “sonhar com pantera é vontade de transar”. Ponto. Talvez não seja tão simples assim. Então, vejamos:
As características mítico-simbólicas da pantera rondam o seguinte espaço de significação: o feminino-lunar, a eroticidade, a sensualidade, a sedução, a doçura do perfume que embriaga (e pode sufocar), a suavidade da pele de veludo negro, a flexibilidade, a instabilidade psíquica, a metamorfose, a ferocidade, o pavor, a paralisia e a morte - não necessariamente nessa ordem.
Dependendo do contexto e das emoções que cause a quem sonha, um sonho de angústia talvez, a pantera pode dar curso a um pesadelo. No entanto, é importante perceber que ela pode estar indicando o lugar onde os instintos foram lesados. Nesse caso, pode estar agindo como uma curadora, aquela que vem lamber as feridas do sonhador e, quem sabe, reparar os danos causados pelo recalque de sentimentos intensos. É uma possibilidade.
Achei na rede um texto curioso e que me fez refletir, uma consulta prestada por um terapeuta italiano a uma paciente anônima, e que tem a pantera como ponto fulcral:
.............
Um animal sobe no meu leito
(consulta atendida pelo terapeuta e grafólogo italiano Luciano Verdoni)
Oi Luciano. Eu gostaria muito que você fosse capaz de me explicar uma coisa estranha que me acontece de vez em quando: eu não consigo dizer se estou acordada ou se durmo, porque é tão real que tenho dificuldade de dizê-lo...Me acontece isso...Antes de tudo eu durmo sempre em posição fetal com a cabeça debaixo das cobertas, em tal posição, de repente, sinto alguma coisa que sobe na minha cama e de fato o meu corpo escorrega um pouco à esquerda...tenho medo porque não sei o que é e tento mover-me... Mas me encontro completamente paralisada, incapaz de me mexer e abrir os olhos...O medo torna-se tão forte que tenho receio de ter um enfarte. Isso que senti subir deve ser um animal como uma pantera. Apóia o seu queixo sobre a minha cabeça e respira ofegante... De repente eu consigo mover-me e em seguida encontro-me acordada. Mas não tenho os olhos entorpecidos como se tem de manhã tão logo quando se acorda, e é por isso que eu duvido estar dormindo. Todavia permanece em mim por toda noite uma sensação de terror que passa na manhã seguinte. Eu seria realmente grata se você conseguisse me ajudar. Meus cumprimentos.
Resposta de Luciano Verdoni
Eu não sei a sua idade e nem a sua condição com respeito ao matrimônio. A meu ver se trata de uma defesa da sexualidade. Você a percebe como uma divisão forçada de espaço íntimo (o leito que se abaixa), uma agressão física dissimulada e irresistível (a pantera). Você se sente impotente diante das pulsões da sua própria natureza (“tento mover-me... Mas me encontro completamente paralisada”) o queixo que o animal apóia sobre sua cabeça simboliza o púbis do parceiro que termina por condicionar o seu universo mental e emotivo (cabeça). Toda vez que você sonha isso, através do terror que você experimenta em relação ao símbolo adotado pela sua mente (a pantera), você esclarece parte da sua angústia da invasão sexual.
______
Não vou me deter no sonho porque o leito do rio que banha minha aldeia é outro, mas arrisco algumas sugestões: a pantera é um dos símbolos máximos do medo e da fascinação. Um animal enorme, negro e feroz. Seu poder paralisa. Dizem que um encontro “real” com uma pantera coloca uma pessoa “normal” em estado de prostração. Que é impossível fugir. Que ela hipnotiza. A mulher que se consulta com o analista tem um sonho de impotência e sofrimento. É impossível respirar. É impossível mover-se. É um excesso de emoções que não conhece escapatória no instante do sonho, no momento do encontro. Energia acumulada, vibrante, potencial.
Diz Clarice Lispector, em um trecho de Água Viva: “o excesso de mim chega a doer”. E em seguida, fala do seu encontro com a pantera:
"E quando estou excessiva tenho que dar de mim. Como o leite que se não fluir rebenta o seio. Livro-me da pressão e volto ao tamanho natural. A elasticidade exata, elasticidade de uma pantera macia".
Clarice, com sensibilidade afiada, percebe instintivamente a presença simbólica da fera e a resolve a questão na fluidez, fundindo-se ao caráter “macio” da pantera, criando um amálgama do que estaria dividido e precisa ser integrado. É uma força só.
Não, a pantera não é apenas medo e sexualidade reprimida. É um “vir a ser”. É o sinal das potencialidades adormecidas que, quando não despertas, transparecemn o sonho em sua negritude azulada. Se ela não for encarada e se o sonhador não fundi-la ao seu próprio potencial, acontece a paralisia. A pantera enjaulada. Diz Clarice:
"Uma pantera negra enjaulada. Uma vez olhei bem nos olhos de uma pantera e ela me olhou bem nos meus olhos. Transmutamo-nos. Aquele medo. Saí de lá toda ofuscada por dentro, o "x" inquieto. Tudo se passara atrás do pensamento. Estou com saudade daquele terror que me deu trocar de olhar com a pantera negra. Sei fazer terror".
A narradora assume as qualidades da pantera. Sabe como trazer para si a sua potência, é a dama do arcano XI. Teme, mas ajusta-se ao seu encanto. Sabe fazer terror. A pantera indica que o estado de intensidade precisa ser trocada com um parceiro para que possa ser reintegrada, re-assimilada e depois solta, como uma fera que se livra do Zoo. Talvez seja exatamente o que tenha faltado às heroínas das duas versões do filme Cat People. Agregadas à força nem sempre metafórica da pantera e que, em um movimento contrário, as antecede. Medos e desejos não precisam ficar em estado de latência desesperando o centro da caverna, o fundo do coração.
Em todos casos existe remédio. Nem sempre estamos prontos ou ainda não é chegado o momento de integrarmo-nos idealmente à sombra potencial que habita as verdades de nosso espírito. Na homeopatia, o loureiro, símbolo de Apolo, é receitado para quem sofre de sonhos recorrentes com animais negros, o que é um dado bastante curioso quando inferimos que o mito pode ser ponto de partida para a cura. O nome do remédio é Daphne Indica (Spurge laurel/ Daphne laureol). O Sol como antídoto. A planta também é indicada para pesadelos, insônia e para o desejo incontrolável de fumar, sintomas claros de que algo abafado precisa emergir.
Afinal, a pantera passeia atrás do pensamento.
Zoe de Camaris
terça-feira, julho 06, 2004
La Pantera
Tras los fuertes barrotes la pantera
Repetirá el monótono camino
Que es (pero no lo sabe) su destino
De negra joya, aciaga y prisionera.
Son miles las que pasan y son miles
Las que vuelven, pero es una y eterna
La pantera fatal que en su caverna
Traza la recta que un eterno Aquiles
Traza en el sueño que ha soñado el griego.
No sabe que hay praderas y montañas
De ciervos cuyas trémulas entrañas
Deleitarían su apetito ciego.
En vano es vario el orbe. La jornada
Que cumple cada cual ya fue fijada.
Jorge Luis Borges
segunda-feira, julho 05, 2004
O Espírito da Pantera
sábado, julho 03, 2004
Pessoas Felinas - A Música
David Bowie
(versão brasileira de Ivan Justen Santana)
Veja esse olhar verde tão fundo:
Posso fitá-lo durante mil anos,
Mais gelado que a lua.
Já faz tanto tempo
E eu sigo apagando o fogo
Com gasolina.
Sinta meu sangue fervendo:
É só medo de perder você -
Já esqueceu meu nome?
Bem, você demorou tanto
Veja esse olhar vermelho tão vivo:
Vermelho brilhante como a selva incendeia.
Aqueles que me pressentem perto
Rasgam suas vendas e mudam suas mentes -
Já faz tanto tempo
Essa noite ainda bate incessante
Uma praga que chamo pulsação.
Se acalme um pouco aqui comigo,
Você duvidaria do que passei.
Você demorou tanto tempo,
Bem, já faz tanto tempo
E eu tenho apagado o fogo com gasolina,
Apagado o fogo com gasolina.
Veja esse choro tão azul:
Um coração imortal e incurável,
Esse choro nunca vai secar,
Uma sentença dada é irrevogável.
Veja esse olhar verde tão fundo:
Posso fitá-lo durante mil anos,
Se acalme um pouco aqui comigo,
Você duvidaria do que passei.
Você demorou tanto tempo,
Bem, já faz tanto tempo
E eu tenho apagado o fogo com gasolina,
Apagado o fogo com gasolina.
Apagado o fogo
[faz tanto tempo]